- Aprendi a voar. – em tom de voz beirando a ironia. – Desde que decidi ser o que fui designado a fazer, desenvolvi certas habilidades.
- Certo – conclui confuso.
Seria o momento de explorar a vivência do paciente? Talvez não. Estava engessado em minhas regras. Perguntei idade, religião, profissão e se era casado ou não, como pressupõe uma boa anamnese inicial. Respondeu a todas as perguntas com muita naturalidade e o tom anteriormente sarcástico deu lugar a uma fala sombria e triste.
- Sabe o que eu não aguento, doutor. Todos me acham ridículo. Ninguém reconhece meu valor à sociedade.
- E qual é esse valor? Você é um super-herói?
- Não. Não tenho tamanha pretensão. Mas uso meus poderes para salvar pessoas. Contou-me sobre um incêndio que salvara duas crianças indefesas. Chorou ao falar sobre suas inseguranças e como sofria “bullying” dos colegas. Após uma hora de consulta não restava dúvidas. Não sabia qual diagnóstico, porém a psicose era evidente. Peguei meu receituário e iniciei a prescrição.
- Não vou tomar medicamentos, doutor. Não há nada de errado comigo.
- Sr. Birdman. Acredito que esses medicamentos possam te ajudar. Preciso que confie em mim.
- Você é como todos os outros! Acredita que estou maluco! Passar bem.
Foi quando previ um momento trágico. Levantou-se, foi até a janela que se encontrava aberta e ficou no parapeito do décimo primeiro andar.
- Senhor Birdman! O que está fazendo?
- Adeus, Doutor Manzano!
Pulou.
Uma fração de tempo e um nó na garganta me sufocou. Que tragédia! Seria a estampa do jornal no outro dia. Minha carreira estava encerrada. Meu Deus! Um homem acabou de cometer suicídio e estou pensando em minha carreira? Que espécie de psiquiatra eu sou? Olhei para o horizonte. O sol ofuscou brevemente a imagem que interrompeu todos meus pensamentos. Ao longe, um homem pairava sobre as nuvens batendo suas asas. Esfreguei meus olhos e olhei para baixo pela janela. Nada fora do comum.
Fui até minha mesa e peguei o interfone.
- Roberta?
- Sim, doutor.
- Pode chamar o paciente das 18 horas.