Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 25

Junto a esse desafio, afirma-se a necessidade de reforçar a dimensão pública e política da psicanálise que, segundo Elia (2018), significa ressaltar sua prática do e no íntimo, desconstruindo a ideia de que este último só pode ser trabalhado no espaço privado. No atendimento às vítimas de crimes contra a vida, inserem-se demandas legítimas de participação e visibilidade, trazendo o psicanalista para o lugar de ressoador de suas vozes, caladas pela violência.

Ao considerar a experiência deste presente artigo como própria do campo do público, reforça-se também a importância de se ter para com os diversos segmentos e marcadores sociais uma posição de consideração e atenção para a manutenção de políticas que reafirmem sua proteção diante das vulnerabilidades apresentadas nos índices de violência publicados a cada ano no Brasil.

É nesse sentido que os direitos humanos e o exercício da cidadania encontram na prática da psicanálise um lugar privilegiado de desconstrução e reconstrução de conceitos como participação e justiça. É no encontro com a vítima de violência, em um lugar público, que posições hierarquizantes podem ser ultrapassadas, oferecendo às vítimas de violência uma possibilidade de construir, junto à coletividade, o exercício de sua cidadania.

Assim, o atendimento psicanalítico de grupos de vítimas de crimes contra a vida se caracteriza como um lugar de passagem. Não apenas de um lugar de objeto de violações para o de sujeito, mas também para o lugar de cidadão que participa da manutenção e construção de leis e frentes populares potenciais para a transformação de suas realidades, rompendo ciclos de violência.

Um dos assuntos trazidos durante os encontros do grupo de vítimas pode se apresentar como no exemplo da seguinte passagem: logo após o término das eleições de 2018, uma das mulheres lamentou o discurso de ódio e a defesa de meios violentos para a melhoria da segurança pública. As demais concordaram, afirmando que não acreditavam na pena de morte como forma de coibir homicídios. Vítimas de violência cuja resistência se expressa em não enveredar por caminhos de violência, rompendo ciclos e recriando laços.

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PATHOS / V. 10, n.03, 2019 24