Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 24

A cada encontro, as participantes relataram como enfrentaram seus sofrimentos. Algumas encontraram na espiritualidade um conforto possível tanto para a preservação das memórias construtivas relacionadas ao familiar assassinado, quanto para impedir que ideações suicidas pudessem recrudescer. Outras encontram no trabalho uma forma de distração. Há também quem encontre na escrita uma forma de alívio. Uma das participantes, que também participa de uma roda de escrita formada por mulheres negras, busca nas palavras uma forma de enunciar aquilo que antes era impronunciável. Em um dos encontros, fez questão de ler uma de suas narrativas. Dentre elas, uma frase que ressoou em todas: quando vi o caixão de meu filho sendo sepultado, descobri o verdadeiro significado da expressão “para sempre”.

A violência urbana afeta seus sobreviventes de forma a fazer com que seus cotidianos sejam permeados de imprevisibilidades, levando-os a buscarem nas instituições públicas orientações e respostas que se caracterizam por algo além do acesso à justiça. A experiência de perder um familiar para um homicídio convida a vítima indireta ao replanejamento de diversos aspectos de sua vida, incluindo possíveis novos rumos que visem à elaboração do sofrimento. Um desses rumos pode ser exemplificado por meio da decisão de uma das integrantes do grupo de auxiliar outras vítimas que perderam seus familiares, construindo, assim, um caminho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu não acho que a pena de morte é o caminho.

O atendimento às vítimas de crimes contra a vida se caracteriza como uma prática cercada de desafios singulares. A ausência de políticas públicas de reparação e acesso à justiça, somada à elaboração de projetos para uma segurança pública encarcerante e punitiva, desfavorece a construção de lugares de mediação e transformação de subjetividades marcadas pelo homicídio.

Desprovidas desses lugares, as vítimas de violência e seus familiares têm seus direitos violados e tendem a encontrar maiores dificuldades para transformarem os desejos destrutivos em ações de justiça e cidadania, mantendo-se orientadas pelo desejo de retribuir o dano com a mesma qualidade com que fora recebido. Lei de Talião, invariavelmente pautada pelo princípio do prazer (FREUD, 1911), que busca a eliminação do desprazer aprisionando a vítima a uma sede insaciável de vingança.

PATHOS / V. 10, n.03, 2019 23

Σ