Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 23

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PATHOS / V. 10, n.03, 2019 22

Ao tentar justificar a ocorrência do homicídio, especialmente por meio da alegação de “resistência”, o Estado colabora para a manutenção da compreensão de que algumas vidas valem mais do que outras e, assim, de que alguns têm mais direito à vida do que outros. Consequentemente, muitos familiares das vítimas se sentem extorquidos do direito de reivindicar justiça e acolhimento. Nesses casos, observa-se uma importante relação entre luto e violação de direitos, sendo este último fundamental para a realização do primeiro.

Além dos desafios relacionados ao luto, a cena traumática também ocupa um importante lugar no atendimento do grupo. Uma das participantes relatou que seus finais de semana eram acompanhados pelo sofrimento de rever a cena do filho morto repetidamente em sua memória. Segundo ela, tratava-se de um pensamento difícil de se desvencilhar.

Uma das participantes que acompanhava o encontro tentou ajudá-la, afirmando que, quando a cena do filho assassinado lhe irrompe os pensamentos, ela busca encontrar formas de se lembrar dos momentos construtivos e positivos deixados por ele, como sua alegria, sua disposição em ajudar as pessoas e sua vontade de viver.

Trata-se de um movimento que denota o estabelecimento de identificações significativas entre as participantes, capazes de potencializar tentativas de mediar discursos e elaborar cenas traumáticas. A mesma participante que encontrou recursos para auxiliar a colega também apresentou os mesmos comportamentos em encontros posteriores. Diante disso, reconheceu-se naquele momento em um lugar antagônico ao anterior, acolhendo-se diante da constatação da inexistência de um método preestabelecido para lidar com a perda violenta.

Vieira e Cintra (2016) ressaltam a importância da criatividade e da elaboração do luto como produtos de um processo que passa pelo contato com a dor da perda. Embora cientes da inexistência de uma “receita” para lidar com a dor proveniente do homicídio de seus familiares, a sustentação de um lugar onde alternativas para enfrentar a dor podem ser criadas e acolhidas em suas particularidades, já se apresenta como um importante recurso oferecido pelo dispositivo grupal.