Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 20

Sua fala acompanha a de outra integrante, cujo filho também foi morto em confronto com a polícia. Mãe de outros dois filhos menores, ela encontra dificuldades em informar os motivos do irmão ter sido assassinado. Após insistências, limitou-se a responder que a vítima havia se tornado uma estrela. Seus filhos aparentaram não terem se convencido e, ao chegar da noite, pediram para que a mãe lhes mostrasse, dentre as estrelas que havia no céu, qual delas era o seu irmão: Por que ele fez isso comigo? – questiona a mãe sobre o filho assassinado.

Uma das integrantes aponta para a importância de diferenciar as circunstâncias das mortes e a violência que marca o homicídio de seu marido. Afirma que o mais difícil não era a aceitação de sua perda, mas a aceitação da maneira em que isso ocorreu.

Dentre os temas trazidos pelas participantes, o julgamento do réu tem considerável atenção. Observa-se, no cotidiano dos atendimentos, que os familiares das vítimas de crimes contra a vida apostam na aplicação da pena sobre o autor um possível alívio de seu sofrimento. Uma das participantes, cuja irmã fora vítima de feminicídio, colabora com a discussão, afirmando que o julgamento e a condenação do autor trouxeram um alívio menor do que ela esperava: Vê-lo preso não traz a pessoa de volta. A saudade ainda fica.

A brutalidade do homicídio aparenta incidir diretamente sobre a memória dos familiares com relação a seus entes perdidos, levando-os a buscar nas instituições de justiça uma forma de reparação. O filho, outrora lembrado por gostar de roupas de marca e se divertir com os amigos, é lembrado por meio da cena do crime. Reduzido a um corpo abatido em via pública, desqualificado em sua dignidade humana, conforme apresentado por Alencar (2011).

É justamente nesses casos que a intervenção psicanalítica encontra seus maiores desafios. O ódio que prevalece sobre o amor pelo ente perdido pode levar as vítimas a se questionarem sobre os motivos pelos quais eles perderam suas vidas. Para algumas, o homicídio é caracterizado como um ataque, não apenas contra o familiar vitimado diretamente pelo crime, mas também contra aquele que permaneceu e, hoje, tentar encontrar recursos para a elaboração da perda violenta.

PATHOS / V. 10, n.03, 2019 19

Σ