Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 18

Trata-se da proposta inicial do grupo: fazer ressoar a voz das vítimas. Significa convidá-las a falar sobre sua dor para tentar dimensioná-la, transformando, semanalmente, a violência do ato em palavras. Cabe ressaltar que o grupo é formado apenas por mulheres, mas seus parceiros também foram convidados a participar de outro grupo. No entanto, todos alegaram impossibilidades relacionadas ao trabalho.

Essa característica, quando somada ao perfil de gênero dos Centros de Referência para a Assistência às Vítimas de Violência – hegemonicamente feminino – e as referências históricas apresentadas por Gonçalves e Gentil (2015), aponta as mulheres como as principais lideranças de movimentos sociais que lutam por cidadania e justiça. Luta justificada também pelas culpabilizações que sofrem diante da violência que as atinge.

Neste estudo, foi possível observar o sofrimento das vítimas indiretas motivado pela culpabilização aplicada por agentes públicos, bem como o desconforto proveniente dos julgamentos de conhecidos e vizinhos. São julgamentos que, quando não se queixam da tristeza e desesperança apresentadas pelas vítimas, queixam-se da facilidade com que algumas conseguiam sorrir ou participar de confraternizações após a perda do marido ou do filho. Os homens que perderam seus filhos não apresentaram tais vicissitudes em seus relatos.

Além disso, das cinco mulheres vítimas de violência participantes do grupo, duas são oriundas de outros estados e uma da Grande São Paulo. Todas residem em regiões periféricas da cidade, marcadas pela violência – produto da desarticulação entre corpo e lugar, como aponta Endo (2015):

A ruptura entre esta articulação cria o espaço onde qualquer violência pode advir, cria-se a figura do corpo desterrado, objeto que circula indevidamente pela cidade e, como tal, pode ser eliminado, uma vez que ninguém reclamará o seu desaparecimento, para muitos, desejável. (p. 75)

Este corpo, caracterizado pelo mesmo autor como “baldio”, torna-se objeto de punição por meio da perspectiva da vingança. Dimensão apontada por Caldeira (2000) como inflição de sofrimento imediato e caracteristicamente físico, um corpo incircunscrito:

O corpo incirscunscrito não tem barreiras claras de separação ou evitação; é um corpo permeável, aberto à intervenção, no qual as manipulações de outros não são consideradas problemáticas. Por outro lado o corpo incircunscrito é desprotegido por direitos individuais e, na verdade, resulta historicamente da sua ausência. No Brasil, onde o sistema judiciário é publicamente desacreditado, o corpo (e a pessoa) em geral não é protegido por um conjunto de direitos que o circunscreveriam, no sentido de estabelecer barreiras e limites à interferência ou abuso de outros (CALDEIRA, 2000, p. 370).

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FOTO: Cristina Cecyaçuapé , Diego Rodrigues , Cauê Taiguara.