Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 13

PATHOS / V. 10, n.03, 2019 12

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INTRODUÇÃO

O meu filho não é aquela pessoa que eles (os policiais) descreveram.

O Brasil é campeão absoluto de homicídios no mundo. Segundo os dados publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2016, uma pessoa é vítima de homicídio a cada nove minutos, superando as estatísticas de países em guerra civil declarada. De acordo com números mais recentes, publicados no Anuário de Segurança Pública do ano de 2018, o Brasil atingiu a marca de 30,8 homicídios por 100 mil habitantes, índice considerado endêmico pela Organização das Nações Unidas.

Os familiares, indiretamente afetados pelos crimes contra a vida, também são vítimas. Junto a eles estão o sofrimento causado pela perda imprevisível do filho, a destruição dos seus sonhos e a desconfiança nos agentes de Estado. São vítimas indiretas, conceituação que indica uma ampliação da compreensão da vitimização provocada pela violência (SCHILLING & KAMIMURA, 2009) e contribui para reforçar a garantia de direitos das vítimas de violência e seu direito à vida.

Com o homicídio de seus familiares, as vítimas indiretas iniciam uma jornada que envolve diversos órgãos públicos de justiça, muitas vezes sem orientação sobre qual deles acessar e quais procedimentos seguir para compreenderem o ocorrido e obterem apoio por parte dos órgãos públicos de justiça e cidadania.

O atendimento desumanizado e a ausência de investimentos na segurança pública, que poderiam se converter em maior agilidade na realização de boletins de ocorrência e maior efetividade nas investigações criminais, também são caracterizadas como formas de revitimizações, cujo resultado, segundo Glens (2009), é a deslegitimização do luto da vítima por meio da violação de seus direitos.

O tratamento digno e o acesso às instâncias judiciárias, além da rápida reparação possível dos prejuízos sofridos pelas vítimas de violência são um dos direitos previstos na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e do Abuso de Poder, promulgada em 1985 – e, justamente, um dos mais violados, tendo como consequência a redução da vítima à mera peça de processo.

Atualmente, no Brasil, não existem políticas regulamentadas para a assistência às vítimas de crimes contra a vida. O artigo 245 da Constituição Federal descreve o Poder Público como responsável pela “assistência a herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito”.