Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 10º Volume | Page 85

Σ

PATHOS / V. 10, n.03, 2019 84

Primeira entrevista em consultório

(Brilho eterno de uma mente sem lembranças)

Leonardo Juliani

“Bom dia. Prazer, Leonardo” – Enquanto aponto a cadeira, digo-lhe para que fique à vontade.

Joel apenas senta-se. Ensimesmado, olhar baixo e posição acorcundada na poltrona. Nitidamente acanhado, como se qualquer lugar do mundo fosse melhor do que aquele.

Ainda com olhar baixo e por vezes passando por algum ponto imaginário atrás de mim, conta que havia passado por desilusão amorosa e encontra-se perdido: “não me reconheço mais”. Juntamente a isso, diz de um inédito e surpreendente desejo de começar a se “conhecer melhor e entender melhor a forma como encara esse momento tão pesaroso”.

Não há momentos, durante toda a conversa, em que Joel se desloque dessa tensão e atitude desconfiada. É como se tivesse que manter a certa distância de uma fera que o espreita. Reflete em voz alta: “é mais difícil do que pensava conversar com terapeuta”.

Ele se limita a descrever o momento atual, sem aprofundar prosa sobre o passado mais distante. Angustiado, com “aperto no peito e na garganta”, fala de modo engasgado sobre o término de um relacionamento que, além de ter sido o mais importante, foi o único que teve.

Verbaliza sem receio: “jamais acharei outra Clementine”. Mais de uma vez, marca que não consegue iniciar nem manter relações com estranhos (na verdade, com a maioria dos familiares também). Clementine teria sido, diz ele, “caso fortuito”, de “pura sorte mesmo” e que a “derrota foi tenebrosa”.

Por minutos em silêncio, ergue timidamente a cabeça para o primeiro contato olho no olho, levanta-se mais firme do que quando se sentou e diz: “voltarei na próxima semana”.

COMO CITAR ESTE TEXTO

Juliani, L. (2019) Primeira entrevista em consultório - Narrativas em Cena (Encarte Especial). Pathos: Revista Brasileira de Práticas Públicas e Psicopatologia, 10 (3), p.84.