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Criar é não se adequar à vida como ela é, Nem tampouco se gru-
dar às lembranças pretéritas Que não sobrenadam mais. Nem ancorar
à beira-cais estagnado, Nem malhar a batida bigorna à beira-mágoa.
Nascer não é antes, não é ficar a ver navios, Nascer é depois , é na-
dar após se afundar e se afogar. Braçadas e mais braçadas até per-
der o fôlego. ( Sargaços ofegam o peito opresso ), Bombear gás do
tanque de reserva localizado em algum ponto Do corpo E não parar
de nadar, Nem que se morra na praia antes de alcançar o mar. Plas-
mar bancos de areia, recifes de corais, ilhas, arquipélagos, baías, es-
pumas e salitres, ondas e maresias. Mar de Sargaços Nadar, na-
dar, nadar e inventar a viagem, o mapa, o astrolábio de sete faces, O
zumbido dos ventos em redemunho, o leme, as velas, as cordas. Os
ferros, o júbilo e o luto. Encasquetar-se na captura da canção que in-
venta Orfeu Ou daquela outra que conduz ao mar absoluto. Só
e outros poemas Soledades Solitude, récif, étoile. Através dos anéis
escancarados pelos velhos horizontes Parir, desvelar, desocultar no-
vos horizontes . Mamar o leite primevo, o colostro, da Via Láctea. E,
mormente, remar contra a maré numa canoa furada Somente para
martelar um padrão estoico-tresloucado De desaceitar o naufrágio.
Criar é se desacostumar do fado fixo E ser arbitrário. Sendo os re-
mos imatérias. (Remos figurados no ar pelos círculos das palavras.)