O imprevisível 2018 PD49 | Page 241

Em sua avaliação teórico-analítica, Gramsci compreendeu que, nas novas condições de desenvolvimento do capitalismo e com a ampliação do Estado a partir dos anos 1930, era necessário repensar a ação política e os modos de conceber as transforma- ções sociopolíticas. Tornou-se premente a superação dos paradig- mas bolcheviques de 1917 – derivados do modelo francês de julho de 1789 – da revolução como ruptura súbita e convulsiva, como assalto ao poder do Estado, e sua instrumentalização para operar mudanças “desde cima”, por meios ditatoriais. Dever-se-ia, sim, efetuar a passagem da guerra de movimento para a guerra de posição, cujo propósito seria a obtenção da hegemonia política antes da conquista do poder – sua arena, a sociedade civil, e seu móvel, a luta política na esfera do Estado democrático. As asserções gramscianas superaram o velho padrão terceiro internacionalista – assentado na noção de revolução permanente originária do Manifesto do Partido Comunista de 1848, de trans- formação da revolução democrática em revolução proletária – e lançaram os fundamentos de uma política para a democracia na perspectiva do socialismo, operada pela esquerda democrática. Trata-se de uma política capaz de efetuar transformações que garantiriam a realização do ser social em condições de equidade e democracia. A obra de Gramsci, mais de três quartos de século após sua morte, continua a exercer influência em intelectuais e políticos, movimentos e partidos, instituições e organizações dos mais diversos tipos e concepções. Seu legado teórico-político foi e pros- segue sendo avaliado e recepcionado por vertentes político-ideoló- gicas variadas (comunistas e socialistas ou social-democratas, liberais, cristãs etc.). Sua obra, traduzida em muitas línguas e com inúmeras edições, acumulou uma fortuna crítico-analítica constituída, provavelmente, de alguns milhares de estudos, ensaios, artigos, livros, teses acadêmicas etc., em todo o mundo. No Brasil, boa parte de sua obra foi publicada a partir de meados de 1960, por iniciativa de alguns intelectuais como Carlos Nelson Coutinho e pelo editor Ênio Silveira (Civilização Brasileira). À época não obteve muito êxito — a difusão das formulações de Gramsci esbarrou numa conjuntura histórica adversa: de um lado, os obstáculos postos pelo regime ditatorial e, de outro, as concep- ções que então empolgavam a intelectualidade e grande parte da esquerda, como o foquismo guevarista, a dogmática maoísta, a “grande recusa” marcusiana, os ideólogos dos movimentos de liber- Um teórico da política e da democracia 239