Em sua avaliação teórico-analítica, Gramsci compreendeu
que, nas novas condições de desenvolvimento do capitalismo e
com a ampliação do Estado a partir dos anos 1930, era necessário
repensar a ação política e os modos de conceber as transforma-
ções sociopolíticas. Tornou-se premente a superação dos paradig-
mas bolcheviques de 1917 – derivados do modelo francês de julho
de 1789 – da revolução como ruptura súbita e convulsiva, como
assalto ao poder do Estado, e sua instrumentalização para operar
mudanças “desde cima”, por meios ditatoriais. Dever-se-ia, sim,
efetuar a passagem da guerra de movimento para a guerra de
posição, cujo propósito seria a obtenção da hegemonia política
antes da conquista do poder – sua arena, a sociedade civil, e seu
móvel, a luta política na esfera do Estado democrático.
As asserções gramscianas superaram o velho padrão terceiro
internacionalista – assentado na noção de revolução permanente
originária do Manifesto do Partido Comunista de 1848, de trans-
formação da revolução democrática em revolução proletária – e
lançaram os fundamentos de uma política para a democracia na
perspectiva do socialismo, operada pela esquerda democrática.
Trata-se de uma política capaz de efetuar transformações que
garantiriam a realização do ser social em condições de equidade
e democracia.
A obra de Gramsci, mais de três quartos de século após sua
morte, continua a exercer influência em intelectuais e políticos,
movimentos e partidos, instituições e organizações dos mais
diversos tipos e concepções. Seu legado teórico-político foi e pros-
segue sendo avaliado e recepcionado por vertentes político-ideoló-
gicas variadas (comunistas e socialistas ou social-democratas,
liberais, cristãs etc.). Sua obra, traduzida em muitas línguas e
com inúmeras edições, acumulou uma fortuna crítico-analítica
constituída, provavelmente, de alguns milhares de estudos,
ensaios, artigos, livros, teses acadêmicas etc., em todo o mundo.
No Brasil, boa parte de sua obra foi publicada a partir de
meados de 1960, por iniciativa de alguns intelectuais como Carlos
Nelson Coutinho e pelo editor Ênio Silveira (Civilização Brasileira).
À época não obteve muito êxito — a difusão das formulações de
Gramsci esbarrou numa conjuntura histórica adversa: de um lado,
os obstáculos postos pelo regime ditatorial e, de outro, as concep-
ções que então empolgavam a intelectualidade e grande parte da
esquerda, como o foquismo guevarista, a dogmática maoísta, a
“grande recusa” marcusiana, os ideólogos dos movimentos de liber-
Um teórico da política e da democracia
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