O imprevisível 2018 PD49 | Page 234

Nada mais justo, ao se completarem oitenta anos de sua morte, do que recordar algumas contribuições daquele pensamento inova- dor na tradição de Marx. Há uma controvérsia sobre o porquê da recusa de Gramsci em usar o termo “materialismo” ou “marxismo”. Parte dos estudiosos explica o fato como uma maneira de ultrapassar a rigidez da censura. Entretanto, é preciso ressaltar que aqueles termos esta- vam relacionados a uma leitura economicista, dogmática e orto- doxa de Marx. O símbolo mais conhecido era o Manual (ou Ensaio popular) de Nikolai Bukharin. Em defesa do novo conceito foi buscar o exemplo de Marx no prefácio de O capital. Ali estavam explicitados os termos “dialética racional” e “dialética mística”, em vez de “dialética materialista” e “dialética idealista”. O próprio Marx não quis se identificar com o materialismo vulgar. Há outra convicção: o uso do termo “filosofia da práxis” foi uma consciente revalorização da atividade cultural e da dimensão ético -política. Ao mesmo tempo que travava uma batalha contra os dogmáticos, não deixou de considerar, também, que a filosofia da práxis deveria reconquistar a força criadora que marcava o pensa- mento moderno, mesmo que preconceituoso e desfavorável a priori em relação a Marx: Bergson, Sorel, Croce, Weber, Veblen, Freud, William James e, através de Spengler, também Nietzsche. Seria interessante relacionar a crítica que Gramsci fez a duas correntes filosóficas existentes: uma ortodoxa, outra eclética. A primeira tendência era representada por Plekhanov, cujo ensaio mais conhecido era Os problemas fundamentais do marxismo. A obra não foi poupada por Gramsci, que a chamou de materialista vulgar e típica do método positivista. A segunda, que queria ligar a “filosofia da práxis” ao kantismo e outras correntes não positivistas e não materialistas, era representada por Otto Bauer, o qual chegou a afirmar que o marxismo poderia ser fundamentado e integrado por qualquer filosofia. Daí sua preocupação em colocar em circula- ção o pensamento de outro italiano: Antonio Labriola. Era o contra- ponto ao grupo intelectual alemão que exercia uma forte influência em determinada leitura de Marx, na Rússia. Por isso, Gramsci valoriza a ideia de Labriola de que a filosofia da práxis era indepen- dente de qualquer outra filosofia, sendo autossuficiente. Qual o núcleo central do pensamento gramsciano? A palavra- chave é o homem como bloco histórico, categoria que adquiriu de Sorel e a que deu outra dimensão. Discutiu o tema, contrapondo-se à teoria da dualidade, presente inclusive em Georg Lukács. E assim 232 Gilvan Cavalcanti de Melo