sição das necessidades da luta contra o regime autoritário e,
posteriormente, da transição pós-ditadura e da construção do
novo país redemocratizado, cujo marco zero não podia deixar de
ser a Assembleia Constituinte de 1986-1988.
Temos a convicção de que uma parte não desprezível das difi-
culdades da esquerda brasileira em seu conjunto, especialmente
nos anos 2003-2016, decorreu de uma gravíssima incompreensão
dos requisitos da democracia política. O Congresso Nacional,
num certo momento, tornou-se o palco de uma imensa operação
transformista, entendendo-se por isso a subjugação e o esvazia-
mento dos partidos aliados do petismo no poder. Ao mesmo tempo,
a tática de ocupação e aparelhamento de órgãos do Estado e
empresas públicas, para fins de reprodução eleitoral e também de
natureza privada, contribuiu para o desastre institucional que
sobre nós se abateu. Este desastre não é menos grave do que os
números sombrios da economia (recuo do PIB, desemprego e
empobrecimento) legados pelos governos lulopetistas.
A falta de fundamento teórico, necessário a uma cultura polí-
tica democrática, terá tido aqui um papel que não deve ser posto
em segundo plano. Muito longe de nós propugnar um “grams-
cismo” regenerador, por si só, da cultura escassamente democrá-
tica da esquerda dominante no país – e isso ainda que déssemos
crédito a uma ortodoxia “gramscista”, o que decididamente não é
o caso. Mas nosso peculiar modo de “recepcionar” e propor
Gramsci – entre outros pensadores, diga-se de passagem – será
talvez um estímulo para que se sigam caminhos inovadores na
relação entre cultura e política, intelectuais e partidos, teoria e
ação. Na base de tais caminhos, a fidelidade à Carta de 1988 e ao
propósito de tratar nossos agudos conflitos sociais no quadro da
legalidade constitucional – e, para tanto, será preciso examinar e
reexaminar criticamente a nós próprios, bem como nossos princí-
pios, valores e crenças.
Que a breve antologia de textos proposta nas duas partes deste
Dossiê possa significar pelo menos um aceno no rumo desejado.
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Luiz Sérgio Henriques