O cearense
Ana Miranda
Q
uando me mudei para o Ceará, foi que comecei a conhe-
cer o jeito de ser do cearense. O gosto pelo riso, uma
certa pureza e a meiguice interioranas. Um orgulho meio
heroico, uma têmpera sertaneja.
Olhava para o modo de ser do cearense, querendo melhor
conhecer a mim mesma, e cheguei a descobrir afinidades – conti-
nuo descobrindo –, mesmo tendo sido criada longe do Ceará.
Dizem que há em nós muitas coisas atávicas.
Terminei a leitura de O Cearense, de Parsifal Barroso. Um
livro que é resposta ao ensaio de Gilberto Freyre, “Precisa-se do
Ceará”. Belo livro, todo cearense que se quer bem precisa lê-lo.
Da linguagem, vejam as pérolas que recolhi, ao acaso: vasta
ferradura pétrea de serras, gestos rasgados em braçadas, a since-
ridade das convicções à flor da pele, anos de cansadas lutas, seus
legendários artífices, o ativismo andejo, a aceitação passiva do
fadário... E muitas mais.
Diversas são as páginas que especulam nossos ascendentes: a
interrogação sobre a prevalência do sangue ameríndio ou a predo-
minância lusa, e a existência de um terceiro componente para
formar a “flor amorosa das três raças tristes”, palavras de Freyre.
Um “talvez” que se refere à miscigenação cigana, ainda miste-
riosa. Cartas régias do século 18 determinavam o degredo de
tribos ciganas preferencialmente para o Ceará. E mais: africanos
negros, judeus, holandeses, franceses.
O vaqueiro, o jangadeiro, o jagunço e o beato seriam os tipos
mais marcantes da nossa paisagem humana. Parsifal se recusa a
aceitar uma psicologia do cearense condicionada às circunstân-
cias do meio geográfico ou do meio social.
Mas concorda que, no Ceará, a terra e o povo sempre viveram
e vivem unidos “na identidade de um mesmo e tortuoso destino”.
Três mil horas de luz, sol dardejante, o ar seco e o vento renova-
dor, a terra estendida para uma ferradura de serras.
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