O Cavaleiro de São João O Cavaleiro 35 | Page 3

Ano XV | Edição 35 | 3 VIVER HONESTAMENTE T odo mundo procura ser feliz. Feli- cidade é bem-estar e neste está in- cluído o convívio harmônico entre as pessoas, a paz, o prazer, tudo o que o ser humano entende ser agradável. Poderia a felicidade ser permanente? Difícil, senão impossível, pois segundo alguns filósofos, a sobrevivência do homem implica numa guerra contínua e por isso ele está sempre em guerra. Não é por acaso que os antigos diziam que o homem é o lobo do homem, “homo hominis lupus”. E nos breves interva- los das tréguas, nesses breves momentos, é que se pode encontrar a felicidade. Razão pela qual ela é valorizada, por ser rara. Muitos filósofos otimistas buscaram e ainda buscam, com suas teorias, tentar mi- nimizar o peso por viver, fazendo com que ele seja o mais leve possível para o ser huma- no carregar. Os pessimistas dizem que isso não tem jeito, porque viver é sofrer. Aqueles são mais interessantes. Elaboraram as mais diversas doutrinas, inventaram um mundo melhor, como Thomas More, na Utopia, Tommaso Campanella, na Cidade do Sol, Platão, na República, Marx, com o comunis- mo e tantos outros, ocidentais ou orientais. Por mais que as teorias sejam tão atraen- tes, não se chegou ainda à conclusão alguma no mundo moderno em que vivemos. Aliás, ao contrário do que se pensa, está cada vez mais difícil viver. E isso por culpa do pró- prio homem, que entende que ser feliz é procurar usufruir, o máximo possível, os bens materiais que levam ao seu conforto, ao seu bem-estar, à sua paz interior, no me- nor espaço de tempo que consegue. E essa procura não tem fim, nem limites. É infinita e ilimitada. Por culpa dos detalhes. Entretanto, por mais que tente e em- bora seja essa uma justa pretensão, não está conseguindo a contento. Ao contrário, está levando-o a uma frustração generalizada. (Esta não é e nem pretende ser uma crônica de autoajuda em busca da felicidade). Como, por exemplo, ser honesto. Os legisladores romanos já diziam que a vida poderia ser resumida em três tomadas de posição ética: “viver honestamente, não le- sar a outrem e dar a cada um o que é seu”: “honeste vivere, alterum num laedere e suum cuique tribuere”. Se todos seguissem esses preceitos básicos, não haveria mais tanta infelicidade. Ao contrário, levaríamos van- tagem, de acordo com a “Lei de Gerson”, aquela que atualmente todos a seguem. Pois é muito mais vantajoso, por paradoxal que possa parecer, ser honesto. Se todos fossem honestos, como diria o Conselheiro Acácio, obviamente não haveria tanta roubalheira. E em não ha- vendo mais tanta roubalheira, tanta falsi- dade, tantos crimes, tanta malandragem, todos seríamos mais felizes. Tão simples, mas tão complexo. E a vida seria bem melhor. O comer- ciante teria um lucro honesto e justo; o empregado não seria explorado pelo patrão; o cidadão não precisaria sonegar impostos, pois estes não seriam mais tão escorchantes; o governo não precisaria ameaçar com pena de prisão o bom cidadão; o político não pre- cisaria mentir para conseguir votos, pois o eleitor acreditaria que ele faria boas leis para sermos bem governados. O ladrão não precisaria furtar, porque não haveria necessidade, havendo justiça social; o pobre poderia viver com digni- dade, almejando sempre um mundo me- lhor; o rico não precisaria ser tão rico, pois dividiria parte de seu patrimônio aos menos favorecidos. O cidadão não necessitaria aprisionar-se dentro de sua casa, pois não haveria mais la- drões e, em não havendo mais ladrões, nem assassinos, as penitenciárias seriam destruí- das. Ele não precisaria mais colocar no segu- ro seu carro, nem sua casa, nem as segura- doras teriam por que explorá-lo. Aliás, estas existiriam apenas para garantir um futuro à família do segurado no caso de sua morte. O mundo seria feliz se todos fossem honestos. Se, como se diz, devemos levar vantagem em tudo, por que então não po- deríamos também levar vantagem em ser honestos? Acreditaríamos então nos polí- ticos, não existiram delações premiadas, elegeríamos um presidente, senadores, de- putados, prefeitos e vereadores, todos eles direcionados para trabalhar num claro ob- jetivo: proporcionar o bem estar de todos, com justiça e equidade. Algumas profissões, como a dos advo- gados, diminuiriam drasticamente. Tornar- -se-iam conselheiros. Em compensação, o turismo aumentaria pela ampliação do lazer, todos poderiam viajar pelo nosso país ou por outras plagas – sem medo de ser felizes – sem preocupações e sem transtornos. Se somente pelo fato de viver já é difícil, então cabe a nós mesmos tornar nossa vida mais fácil. É tudo tão-somente uma questão de opção. Porque viver honestamente, de acordo com a própria etimologia da palavra, é viver com honra. E se todos nós pudésse- mos conseguir viver com honra, a vida seria bem melhor. Utopia? Certamente, mas pelo menos deveríamos tentar. Luiz Carlos Bedran Sociólogo e articulista da Revista Comércio & Indústria de Araraquara-SP