Mas como que com todo esse desnivelamento
salarial, a mulher consegue se destacar na
carreira de modelo e ser a dona dos cachês?
Segundo a professora de Estudos da Moda da
FIAM FAAM, Natalia Epaminondas, a
questão está enraizada em fatores históricos
e na relação com a publicidade.
A moda feminina, historicamente, se
desenvolveu mais do que a moda masculina,
pois as vestimentas para os homens eram
funcionais e sóbrias, enquanto as para as
mulheres eram mais detalhadas, volumosas e
enfeitadas. A indumentária feminina
também servia para refletir as posses dos
seus maridos. Em meados de 1950, após a
Segunda Guerra Mundial, surge o novo
consumismo — mais uma vez, voltado para
as mulheres — que prega a necessidade da
compra para atingir a felicidade. “Nesta
época, o ocidente tentava retomar a
sociedade e as famílias com valores tradicio-
nais. O consumismo é voltado para as donas
de casa com eletrodomésticos, produtos de
limpeza e roupas para ficar bonita para o
marido”.
Os reflexos dessa nova era consumista se
estendem até hoje através da publicidade e
propaganda. De acordo com a Pesquisa sobre
Usos, Hábitos e Costumes do Consumidor
Brasileiro de Vestuário 2 , 47,5% dos entrevis-
tados já compraram produtos de moda por
causa de propagandas. Este índice é maior
entre as mulheres, com 52,7%. A pesquisa
também aponta que 70,7% das entrevistadas
sentem-se influenciadas pela maneira de
vestir de personalidades (artistas, modelos,
cantores e jogadores de futebol). Em suma,
pode-se compreender porque o mercado
utiliza modelos femininas — e as remuneram
melhor — para convencer suas semelhantes
a consumirem. “A modelo representa um
ideal de beleza, de corpo, ela é uma constru-
ção social. As mulheres se inspiram nessa
beleza. É uma questão secular”, completa
Natalia.
Mamãe, quero ser modelo
A profissão de modelo surgiu em meados de
1850 nos ateliers de alta-costura, onde
meninas experimentavam as roupas feitas
sobre medidas para as clientes não se
cansarem; e também para dar movimento
aos caimentos e tecidos, o que não seria
possível com um manequim inanimado.
Desde então, a profissão passou por diversas
transformações até o surgimento das
supermodelos dos anos 1990 — que revoluci-
onaram o modo como as modelos são vistas e
pagas, como afirma a célebre frase de Linda
Evangelista: “Eu não levanto da cama por
menos de U$10 mil por dia”.
Há dez anos é uma brasileira que encabeça a
lista das modelos mais bem pagas do mundo
da Forbes: Gisele Bündchen. Apenas em
2016, aübermodel faturou U$ 30.5 milhões.
Desde 2013, a Forbes não atualiza a lista dos
modelos masculino mais bem pagos do
mundo, mas naquele ano, o americano Sean
O’Pry foi o primeiro da lista com U$1.5
milhões — na versão feminina do mesmo
ranking, Gisele fez U$ 42 milhões.
De acordo com Ashley Mears 3 , autora do livro
‘PricingBeauty: The Making of a Fashion
Model’ (sem tradução para o português), as
mulheres são pagas entre 25 e 75 por cento
mais do que os homens para modelar. A
diferença é muito maior no topo da profis-
são. Para uma campanha de moda ou
fragrância de nível superior, uma modelo
pode ganhar dez vezes mais do que o homem
parado ao lado dela.
Segundo Anderson Baumgartner, diretor da
WAY Model, a explicação está no próprio
mercado. “Como em toda indústria de beleza,
as mulheres são mais consumidoras que os
homens, apesar dessa realidade estar
mudando aos poucos, nos últimos tempos.
Mas mesmo com isso, a indústria feminina é
muito mais consumista, muito mais vendável
do que a masculina. Principalmente moda,
quando o assunto é beleza, comportamento e
vestuário”. As agências de modelos também
investem mais no casting feminino. Em
setembro deste ano, os sites das quatro
maiores agências brasileiras contabilizavam
juntos 951 modelos mulheres, contra 425
modelos homens.
Com 15 anos de carreira, o modelo Michael
Camiloto já estrelou campanhas de renoma-
das grifes e editoriais de moda ao lado de
tops como Bianca Balti, Anja Rubik, Sasha
Pivovarova e Hilary Rhoda. Para ele, a
diferença incomoda quando a colega está
ganhando muitas vezes mais para fazer o
mesmo trabalho. “A diferença poderia ser
menos gritante, mas faz sentido um
investimento maior na parte feminina, pois é
de onde as marcas geralmente têm o maior
faturamento”. O modelo brinca que seus
amigos que não trabalham no meio pensam
que ele tem a mesma conta bancária que a
über Gisele. A Michael cabe explicá-los como
o mercado funciona. “Acredito que a
representação feminina no universo da
moda, em termos de consumo e interesse,
ainda tem um peso muito maior quando
comparada à representatividade masculina.
É muito frequente a mulher ter três portas do
guarda-roupa, enquanto o homem tem só
uma”, finaliza.
Moda, consumo e publi dade