My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 02 | Page 29

C H Ã O D E P R A Ç A Eu não sou do tempo em que deram origem ao livro. Decerto não vi nascerem as tabuletas de argila ou pedra. Fico imaginando como me sentiria se escrevesse essa crônica num pergaminho que, segundo contam, faria a escrita durar mais.Eu ia querer certamente que nele o meu texto durasse pelo menos até umas décadas atrás ou hoje mesmo. E aí teriam a sensação de que uma palavra escrita minha duraria séculos, e uma Adêmona dessas, a escolhida por algum José, a teria lido com comoção. Mas mesmo não tendo o privilégio de ter sido um ancestral leitor, confesso a minha paixão pelo objeto livro, o impresso. Guardo em minha hoje reduzida biblioteca (que às vezes pede socorro pedindo uma limpeza em regra) alguns exemplares do tempo da bisavó e, empoeirados ou não, mas certamente com as páginas mais do que amareladas, me proporcionam um prazer. Ora uma gramática de tupi antigo ora um livro de poemas do século XIX ora outras e mais outras publicações que me levam a viajar com minhas vozes e com outras que o texto vai mostrando à medida que leio. Outro dia escutei uma conversa que até agora entrou por um ouvido e ficou em minha garganta com faringite. Estava em pleno Passeio Público, depois de um cafezinho que a gente experimenta antes de trabalhar, quando um sujeito gorducho , desses que já passaram dos cinquenta, dizia a outro bem mais moço: " Não fique preocupado com isso não. Se você não quer mais ficar com os livros, dá pra mim ou, se não quiser, faz como eu: joga eles no porão de casa e deixa lá até vir traça e aí uma e outra e uma pá delas vai devorando o bicho e você depois pega eles e manda pro lixo que nem comida velha". Sabe, aquilo me causou um mal-estar. No início me perguntei se este cidadão não acreditava mais no livro impresso, depois pensei ser ele mesmo um bronco, alguém que trata um objeto em folhas como se fosse lixo, igualzinho a suas palavras. Fui me afastando com aquela azia mais do que justa - e logo depois do cafezinho - entrei no escritório de uma amiga para digitar um texto poético que havia feito semanas antes e de repente desisti. As palavras do troglodita não só me irritaram, mas me provocaram em consequência uma vontade incontrolável de voltar pra casa e ir ao encontro de meus livros velhos para abraçá-los. C a r l o s A u g u s t o C o r r ê a Carioca nascido em Vila Isabel, cronista caminhador, formado na U Amante da boa música e dos livros. Seu mais recente livro lançado este ano "Um Cronista Pelas Ruas do Face"