My first Magazine A Luta Bebe Cerveja - Ana Sens | Page 21

A LUTA BEBE CERVEJA Na noite ninguém ficava no armário, ou pelo menos é isso que se diz. Quem passeava por Curitiba naquela época se lembra bem da Gilda, figura que trocava beijos por uns trocados no calçadão; fez amigos no Bife Sujo e dançava de saias longas e peito peludo de fora pela Rua XV. Um ode à liberdade e à diversidade. Dizia que era travesti e encantava por carnavais adentro com o jeito risonho. Quem via Gilda rodopiando por ali talvez sentisse que podia ser quem quisesse também. Há a fama de ser o “primeiro homossexual de Curitiba” – sabe-se que não é bem assim, pois o título cabe ao Oswaldinho, o mordomo da família Camargo – gente graúda da Praça Osório –, mas Curitiba é a tal da provinciana, lembra? Cheia de tradição. Aos sábados, uma feijuca no Lá no Pasquale, restaurante que ficava no meio do Passeio Público. Aos domingos, dia de sentar com a família à mesa do Madalosso e se esbaldar de frango e polenta. Quando começou a onda de almoçar fora, nos anos 50, a comida caseira servida longe de casa tinha seu charme, porque ninguém queria ficar em casa cozinhando em pleno domingo, faça chuva ou faça sol. Fez neve. Foi em 1975. Num 17 de julho, Curitiba amanheceu branquinha e isso dividiu a história da cidade. Depois da neve, a capital ficou até mais simpática. Tinha assunto para puxar com os vizinhos no ponto de ônibus, os curitibanos começaram a dar bom dia. Para se esquentar, caipirinha. A do Pasquale era famosa; cachaça é feito água pros russos brasileiros. Imagine só um bando de jornalista embriagado jogando conversa fora. São eles quem sabem de tudo. Sabiam o que podia ou não falar, onde se reunir, o que é que tinha acontecido na cidade aquele dia, em outras cidades também. E bar tem esse gostinho de liberdade, sempre teve. Era todo dia depois do expediente, era aos finais de semana, era pra comer um lanche, tomar uma, encontrar alguém. Fazer jornalismo ultrapassa as páginas dos livros. Tem quem diga que aprendeu jornalismo no bar. Tem quem tenha entrevistado fonte lá. Coisa que se tirou do Pasquim. A irreverência mais séria possível. E em tempos sombrios, meu amigo, ter um lugar para se abrigar e ser irreverente é essencial. Velha Roupa Colorida - Elis Regina 20