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EDITORIAL

VENHA 2021 !

Cascais , Joana Lopes Clemente

Se devesse eleger uma palavra para “ palavra do ano de 2020 ”, essa palavra teria sido , readaptação . Recebemos todos , sem exceção , uma tempestade com características próprias de tempestade : qualquer coisa de avassalador , que não conhece fronteiras , não se compadece de dramas pessoais ou coletivos , não conhece horários e ignora a sobreposição das tragédias humanas . Independentemente do que lhe queiramos chamar ou de como consigamos olhar para o que nos tem acontecido , obrigou- -nos a repensar estratégias , sem perder de vista o objetivo final : amparar aqueles que , no terreno familiar do desespero , não têm como se proteger da ferocidade dos acasos e ocasos . O que quer que lhe queiramos chamar , veio para ficar em 2021 e trouxe na bagagem , volumosa e pesada , um sem-número de cenários difíceis . Já passou um ano desde que a Unicef alertou para um recuo de 30 anos na luta contra a pobreza em África , em resultado da pandemia . Esta afirmação reúne uma coleção infindável de batalhas de sobrevivência , travadas quase sempre em franca desvantagem com as circunstâncias , desde antes de se poder contar o primeiro dia de vida . Por isto , e apesar do caminho da readaptação ter começado a ser traçado e encontrado algures no meio da tempestade , 2021 terá que ser construído em cima desse conceito-chave . As batalhas que conhecemos de cor , agudizaram-se até ser difícil reconhecer-lhes a expressão : o abandono escolar , os abusos sobre crianças e jovens , a desnutrição , a construção da paz ... tudo , embrulhado numa amálgama de urgência , medo , incerteza e deriva . Uma deriva ditada pelas sobras do que o resto do mundo determinar . Pela nossa parte , enquanto houver num dos pratos da balança , a vida , a oportunidade única de vivê-la com dignida-

de e expectativa num sistema mais justo de oportunidades , nós estaremos embrenhados na procura de caminhos sobre como equilibrar esses pratos , essa balança : adaptar atividades a restrições de deslocações ; divulgação de informação vital a proibição de ajuntamentos onde as turmas têm 60 alunos ; criar e manter hábitos de higiene onde não há acesso à água ; calcorrear milhares de kms para criar uma cadeia de informação , porque as escolas , canal privilegiado para o fazer , estão fechadas ; relembrar a importância do regresso à escola em Províncias , onde apenas 80 % do tempo previsto é lecionado em escolas , onde mais de metade das meninas do último ano do ensino primário não regressou à escola depois da interrupção provocada pela pandemia ; inventar formas de fazer chegar lanche escolar onde não há escola , rádio escola onde os rádios não apanham frequência , procurar levar e manter a esperança onde , em circunstâncias normais , apenas 4 % dos alunos chega ao ensino superior e levar o domínio de ferramentas tecnológicas a quem com elas nunca contactou ... Apesar dos pesares , arrancamos com 6 projetos novos neste início de 2021 , entre os setores da educação e da nutrição , além de todo o acompanhamento que continuamos diligentemente a prestar nas comunidades com as quais trabalhamos . Agora , de forma redobrada , à procura de mitigar os efeitos da Covid-19 , do conflito armado no norte de Cabo Delgado , que se juntam à pandemia que estas pessoas conhecem desde sempre : a pobreza extrema ! Para um portefólio infindável de problemas , faço votos de que a energia dos nossos padrinhos e madrinhas se mantenha , para que nos permita continuar a adequar todas as soluções possíveis . Venha 2021 !