MUNDANO MAG №04 | Page 43

Encontramo-nos no dia seguinte, conforme o combinado, e examinamos o apartamento 221 B da Baker Street. Eram dois quartos confortáveis e uma sala ampla e arejada, mobiliada com graça e iluminada por duas grandes janelas. A moradia era tão atraente e seu preço tão razoável, na medida em que seria dividido entre nós, que decidimos no ato e, na hora, tomamos posse das instalações. Na mesma tarde, transportei meus pertences do hotel e, na manhã seguinte, Sherlock Holmes trouxe várias caixas e malas. Durante um ou dois dias, estivemos ocupados em desempacotar nossas coisas e dispô-las da melhor maneira. Feito isso, gradualmente fomos nos acomodando ao novo ambiente. Não era difícil conviver com Holmes. Era um sujeito sossegado e com hábitos muito regulares. Era raro encontrá-lo em pé depois das dez da noite e, invariavelmente, quando eu levantava pela manhã, já tinha tomado café e saído. As vezes, passava o dia no laboratório químico; outras, na sala de dissecação, e havia ocasiões em que dava longas caminhadas às partes mais baixas da cidade. À medida que as semanas passavam, meu interesse por ele e a curiosidade pelos objetivos de sua vida cresciam cada vez mais. Ele próprio, com sua aparência, chamava a atenção do observador mais casual. Media em torno de um e oitenta de altura, mas era tão magro que dava impressão de ser ainda mais alto. Seu olhar era aguçado e penetrante, a não ser naqueles períodos de torpor a que já me referi. O nariz, fino e adunco como o de um falcão, dava ao semblante um ar de vivacidade e decisão. Também o queixo, quadrado e proeminente, caracMUNDANO mag terizava-o como homem de determinação. Suas mãos estavam sempre manchadas com tinta e produtos químicos, mas seu toque era muito delicado, conforme pude observar inúmeras vezes, enquanto ele manipulava seus frágeis instrumentos de alquimista. Talvez o leitor esteja me julgando um bisbilhoteiro incurável, porque confesso o quanto aquele homem espicaçava minha curiosidade e quantas vezes procurei romper todas as reticências presentes em tudo que dizia respeito a Sherlock Holmes. Antes de me julgar assim, porém, tenha presente o quanto minha vida carecia de objetivos e quão poucas coisas havia para despertar minha atenção. Minha saúde impedia que eu me aventurasse fora de casa, a menos que o tempo estivesse excepcionalmente bom. Não tinha amigos que pudessem me visitar, quebrando a monotonia de meus dias. Sob tais circunstâncias, desfrutava com ansiedade o pequeno mistério que cercava meu companheiro e passava a maior parte do tempo tentando decifrá-lo. Holmes não estudava medicina. Ele próprio, em resposta a uma pergunta, confirmara a opinião de Stamford a esse respeito. Tampouco parecia ter frequentado qualquer curso que lhe tivesse dado um título em ciência ou qualquer outro crédito que garantisse sua entrada no mundo acadêmico. No entanto sua dedicação a certos estudos era notável e, embora limitado a temas excêntricos, seu conhecimento era de extensão e minúcias extraordinárias. Suas observações me deixavam impressionado. Sem dúvida, ninguém trabalharia de forma tão devotada nem acumularia informações tão precisas sem ter algum objetivo em vista. Leitores fortuitos dificilmente se destacam pela exatidão de seus conhecimentos. Homem nenhum sobrecarregaria a mente com minúcias, sem ter uma boa razão para isso. A ignorância de Holmes era tão notável quan43 >