Muitas Mãos: Antologia Literária 2014 | Page 23

GUILHERME SOHNLEIN EXEL – 100 ANOS DE SÁBADO Sábado havia sido um bom dia. Daniel não estava com sono nem com frio, mas rolava sorridente em sua cama, pensativo. De manhã havia saído para caminhar com seu vizinho e os dois se tornaram amigos rapidamente. No final da tarde, foi com seus colegas de trabalho no bar e os apresentou seu novo amigo. Voltou pra casa não muito tarde e ainda conseguiu arranjar forças para ir à academia. Nada muito excepcional ou incrível havia acontecido naquele dia, mas Daniel se sentia confiante e capaz de qualquer coisa. Demorou para que ele conseguisse pegar no sono, mas ele não se importou. Nada podia o abalar. Ele acordou suado, como em todo dia de verão. Em dias de semana, isso era muito desconfortável, já que ele não tinha tempo de tomar banho de manhã. Feliz porque era domingo, ele pegou suas roupas e foi para o chuveiro. Ao sair, se sentindo bem acordado e ainda confiante por causa do dia anterior, ele percebeu: não era domingo. Era sábado. Ainda era sábado. Aquilo não podia estar certo, ele tinha bastante certeza de que ontem havia sido sábado. Correu para a televisão e sintonizou no canal de notícias. — Não existem registros de algo como isso ter acontecido no passado, mas não se preocupe, a órbita da terra não foi abalada. — Disse uma mulher com aparência de pesquisadora. — Mas isso não pode desregular as estações ou algo assim? — Inquiriu o entrevistador. — É muito cedo para dizer, mas tenho certeza que há uma simples explicação científica para o ocorrido, nós só precisamos de mais dados antes de tirar conclusões precipitadas. — Bem, acho que só resta esperar e ver o que acontece. Afinal, que mal pode fazer apenas mais um dia de folga na semana, não é? A entrevistada riu forçadamente, afinal nem ela nem o entrevistador estavam de folga. Daniel passou por outros canais, mas eles pareciam ou não se importar, ou não davam qualquer informação nova. Ele decidiu então tomar a mesma posição que o jornalista e aceitar que um sábado havia sido adicionado à sua semana. Enquanto preparava panquecas para seu café da manhã, a campainha tocou. Era seu vizinho. — Oi, como vai? — perguntou Daniel, ao abrir a porta. — Com um sábado a mais, é como vai. Você viu que hoje é sábado? — Sim, estava passando no jornal. Temos mais um dia de folga na semana. — Isso é horrível. Eu tinha uma consulta no ortopedista marcada pra segunda-feira e agora vou ter que ficar mais um dia com as costas desse jeito. Isto é, se amanhã também não for sábado de novo. — Bem, não há como saber. Afinal, se aconteceu uma vez, pode muito bem acontecer de novo. Os dois tomaram café da manhã juntos. De tarde, Daniel assistiu séries no Netflix por três horas. Decidiu parar e dar uma adiantada em seu relatório para quarta-feira, mas acabou procrastinando e não fazendo trabalho algum. Foi dormir logo que escureceu. No dia seguinte, ao acordar, percebeu que ainda era sábado. Não estava surpreso, embora estivesse profundamente preocupado. Pegou seu celular e começou a ler as notícias. A mídia havia esquecido completamente do vírus Ebola, do Estado Islâmico e a 23