Muitas Mãos: Antologia Literária 2014 | Page 17

ALINE CARDOSO DE OLIVEIRA – TRANSE O que há lá em frente? Essa nuvem, além de mais escura que o normal, movese em uma velocidade muito alta. Por que ela está cada vez mais perto? Estava imóvel, apenas com o foco de meu olhar alterando-se conforme aquilo se aproximava. Quando a nuvem chegou mais perto ainda, consegui perceber que não era exatamente uma nuvem. Pássaros pretos, fazendo estardalhaços com suas gargantas estavam a voar desesperados, pareciam voar em minha direção. Nossa, não apenas pareciam. Permaneci imóvel, de que adiantaria correr? Fiquei ali admirando a euforia do bando ao entrar em mim. Com os primeiros tive um sentimento absurdamente estranho, depois destes tantos comecei a me acostumar. Estes iniciantes me empurraram para trás com uma certa força, minha sorte era que já estava tão envolvida no grande manto preto daquelas aves que nem senti meu corpo tocar o chão, mas sei que estava deitada nele. A pressão deles entrando em mim era incrível, ia além da percepção física. Quem os olhava e olhava minha boca nunca iria imaginar que ali passariam com tanta facilidade. Sorte que ninguém olhava, sorte que não havia ninguém. A sensação era incrível, tão boa que nem cheguei a pensar no momento em que aquilo ocorria. Não havia concluído se era algo benéfico ou não até a hora em que a experiência teve seu fim. Algum tempo havia passado, não fazia noção do quanto. Mas quando saí daquele transe, se é que posso usar essa palavra para definir, queria voltar. Infelizmente todos os pássaros já estavam em mim. 17