Muitas Mãos: Antologia Literária 2014 | Page 28

CAETANO MACÁRIO DE OLIVEIRA – NO PONTO DE ÔNIBUS Amanhece e o dia parece ser mais um daqueles preenche-calendário, nos quais a surpresa não parece pintar e deixar sua marca. Os sonhos te assustam, os minutos não passam porque o que tu mais querias era estar lendo poemas e deixando o tempo urgir. Pobre aparência esta que nos engana, nobre é o momento infante. Sentado eu, solitário, divagando sobre o que iria fazer, sou surpreendido na meia tarde, no ponto de ônibus. Uma senhora, que apesar da idade carregava um charme desses das moças jovens que catam flores no crepúsculo, vinha dos seus estudos e já, antes de chegar, antecedeu um “bom dia”. Retribuído o “bom dia” seguiu a conversa: falamos um do outro; eu mencionei meu desejo acerca da filosofia e do meu apego às palavras, ela falou dos seus quadrinhos, seus traçados e do seu igual apego pelas palavras. “Tem vezes que eu até escrevo a história e os desenhos eu deixo pra depois” diz ela. Ingressamos no mesmo ônibus, compartilhamos o mesmo assento e o assunto da viagem foi poesia, não poderia ser outro. Recitei um poema meu, ela retribuiu com fragmentos de sua poemia. Encanta-me a simplicidade e foi com essa simplicidade que nos despedimos. Ela cedeu seus ouvidos para minha voz enquanto eu recitava: Pedem-te bis e um bis não se despreza! Vamos! retesa os músculos, retesa Nessas macabras piruetas d'aço. . . E embora caias sobre o chão, fremente, Afogado em teu sangue estuoso e quente, Ri! Coração, tristíssimo palhaço. “Acrobata da Dor, Cruz e Sousa”, encerrei. Assim terminou a viagem. Beijeilhe o rosto e saí do ônibus com a boca aliviada por aqueles segundos de ouvidos atentos. O meu coração ria, ria satisfeito tal como um palhaço se satisfaz com o riso da plateia. E segui assim por esse dia que não parece ser e nem se encerrar. 28