CAETANO MACÁRIO DE OLIVEIRA – NO PONTO DE ÔNIBUS
Amanhece e o dia parece ser mais um daqueles preenche-calendário, nos
quais a surpresa não parece pintar e deixar sua marca. Os sonhos te assustam, os
minutos não passam porque o que tu mais querias era estar lendo poemas e deixando
o tempo urgir. Pobre aparência esta que nos engana, nobre é o momento infante.
Sentado eu, solitário, divagando sobre o que iria fazer, sou surpreendido na
meia tarde, no ponto de ônibus. Uma senhora, que apesar da idade carregava um
charme desses das moças jovens que catam flores no crepúsculo, vinha dos seus
estudos e já, antes de chegar, antecedeu um “bom dia”. Retribuído o “bom dia”
seguiu a conversa: falamos um do outro; eu mencionei meu desejo acerca da filosofia
e do meu apego às palavras, ela falou dos seus quadrinhos, seus traçados e do seu
igual apego pelas palavras. “Tem vezes que eu até escrevo a história e os desenhos eu
deixo pra depois” diz ela.
Ingressamos no mesmo ônibus, compartilhamos o mesmo assento e o assunto
da viagem foi poesia, não poderia ser outro. Recitei um poema meu, ela retribuiu com
fragmentos de sua poemia. Encanta-me a simplicidade e foi com essa simplicidade
que nos despedimos. Ela cedeu seus ouvidos para minha voz enquanto eu recitava:
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço. . .
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
“Acrobata da Dor, Cruz e Sousa”, encerrei. Assim terminou a viagem. Beijeilhe o rosto e saí do ônibus com a boca aliviada por aqueles segundos de ouvidos
atentos. O meu coração ria, ria satisfeito tal como um palhaço se satisfaz com o riso
da plateia. E segui assim por esse dia que não parece ser e nem se encerrar.
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