Minha primeira publicação EDIÇÃO FEVEREIRO | Page 30

jornal O Claustro
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Reconhecemo-los pelo seu andar , meio trôpego , pelas suas roupas mal combinadas , ou por virem bater à nossa porta em busca de um cigarro ou de uma qualquer moeda atirada para o fundo da mala . São , na sua generalidade , presenças inofensivas . Provavelmente incoerentes , intrometidas , mas sempre inofensivas . Ainda assim há quem prefira que não se aproximem . Lá na minha terra , dizem que os “ malucos ” são como crianças e discutem uns com os outros por uma taça de sobremesa ou pelo comando da televisão . Sendo isto verdade , também não os recriminaria , dado serem poucos os prazeres a que têm direito no hospital . No entanto , também na minha terra , há disputas de anos ( e sem fim aparente ) entre membros da mesma família , por um pedaço de terreno seco que pouco vale e duas ovelhas rançosas . Irmãos discutem pelas jóias baças da falecida avó . Assim se destrói uma família . Dizem que os “ malucos ” são perigosos e não devemos dar-lhes atenção . Porém , a cada ano que passa , são conhecidos novos casos de violência doméstica , assaltos e esquemas de roubo a idosos orquestrados por gente sã que , tal como eles , bate à nossa porta . E as notícias tristes lá na minha terra correm mais rápido que qualquer ladrão . Dizem que os “ malucos ” vêm coisas e são desligados da realidade . Pois na minha terra , à noite , mulheres que se autointitulam de bruxas percorrem o mato e deixam vestígios de cabeças de galinha ensanguentadas , velas e desenhos esotéricos marcados no solo pela manhã . Passarão elas a noite a lançar-nos pragas ? Dizem que os “ malucos ” são aqueles , do lado de lá do portão do hospital , que vemos diariamente a partir das nossas casas , por entre as cortinas , para que não nos vejam a nós . Mas eu também vejo malucos do nosso lado , no lado “ são ” e harmonioso da terra . Penso para mim que poderei estar , de facto , numa terra de malucos .
Mariana