a cabeça, em negação. − Por favor. Não posso fazer mais por ti.
O sorriso de Helena fraquejou-lhe por uns instantes. Passou a mão rejeitada pelo cabelo, empurrando alguns dos caracóis rebeldes para trás da orelha.
− Ah, bom. Obrigada – repetiu, fazendo a vontade da relojoeira. Ignorou a cortina amarela, optando pela porta dos fundos, ainda destrancada. O suspiro de alívio da sua salvadora foi audível ainda antes de o trinco ser fechado atrás de si.
A animação de Helena pelo que haviam conseguido fazer naquela tarde esmoreceu ligeiramente. Lutava tanto por si mesma como por bruxas como aquela. Sabia que as circunstâncias, o medo em especial, eram as principais responsáveis por aquela escolha em viver rejeitando a própria natureza. Contudo, não deixava de se sentir frustrada. Se fosse possível que todas elas se unissem …
Ergueu o braço, chamando um dos coches a vapor de aluguer que calcorreavam a cidade em busca de clientes. Havia-os de várias modelos, alguns com cavalos também a vapor, outros sem o que consideravam ser um ornamento desnecessário, e um até chegara a ser puxado por uma avestruz mecânica. A legislação a que estavam submetidos, no entanto, era ainda escassa, e as variações de perigo e segurança eram tantas quanto as variações de modelos.
Informou o condutor da morada pretendida, antes de se fechar no interior da carruagem. O cartão-de-visita que rapinara com discrição girava entre os seus dedos. Fora uma tentação a que cedera. Já antes encontrara submersas, optando por as deixar ficar na pacatez da sua decisão. E, contudo, em relação àquela … Talvez o seu interesse estivesse na rapidez com que a outra se predispusera a ajudá-la. Talvez fosse a expressão desagradada quando se lhe dirigira como“ submersa”. Qualquer que fosse a razão, Helena não se atrevia a negar o seu interesse pela relojoeira. Todavia, raramente negava o seu interesse fosse pelo que fosse.
Virando o cartão, leu em voz baixa o nome que a outra se recusara a dar-lhe:
Felismina Andrade – Relojoeira
O jornal da manhã seguinte cobrira a notícia da explosão da Câmara, ainda sem nada que indiciasse ter sido outro o objectivo do atentado. Por altura da edição vespertina, no entanto, a fuga de informação já havia dado os seus frutos, e os ardinas berravam sobre o frágil estado de Sua Majestade a Rainha Graciela.
– Os idiotas continuam a achar que chegaram ao fim da boneca russa, da matrioshka – constatou Helena, recusando a oferta de açúcar na sua chávena de chá. Túlio, o colega responsável pela explosão, franziu-lhe o sobrolho, enquanto o Visconde d’ Arreios dispensava a criadagem. Acomodavam-se os três no varandim do Visconde, em cadeiras de ferro branco amaciadas por almofadas da mesma cor, em torno de uma mesa provida de chá, pequenas sanduíches triangulares e pratinhos de biscoitos caseiros. O pôr-do-Sol atribuía uma tonalidade dourada ao relvado que se estendia em torno do palacete.
– Idiotice é falar demais – resmungou Túlio. O mau humor e as feições sulcadas conferiam-lhe todo o mau aspecto com que os jornais o descreviam. – Os serviçais têm ouvidos.
Helena acatou a crítica com um sorriso provocador, antes de continuar.
– Não podemos deixar passar muito mais tempo. Eles vão acabar por descobrir, se queremos manter a vantagem da surpresa …
– Minha querida – interrompeu o Visconde, estendendo-lhe um dos pratos de biscoitos. – A partir de agora é comigo. A menina já fez com a sua parte, sabe que agora corre o risco de ser reconhecida. Duvido que se ignore uma tentativa de regicídio, quer venham a descobrir ter sido falsa, quer não.
– Usava uma ilusão … – Ainda assim. Não se esqueça do seu coração.
Helena crispou os lábios. Túlio descobriu um súbito interesse no horizonte.
– O meu coração não é para aqui chamado – sibilou a mulher. – Não interferiu em nada com o