MegaZine 6 - Fevereiro 2017 | Page 30

Os relógios dominavam a loja. Não havia pedaço de parede que se encontrasse à vista, com excepção da cortina amarela por trás do balcão. Alguns pendiam do tecto; uma meia dúzia estava simplesmente pousada no chão. Os ponteiros moviam-se em uníssono, os segundos avançando em perfeita sintonia. Não havia um aparelho que mostrasse uma hora diferente da de outro, e a luminosidade do local deixava-o em evidência.

ic-toc-tic-toc.
Não eram muitos os clientes que por ali passavam. Por vezes atendia uma senhora em busca de um presente para um cavalheiro, ou recebia um desesperado por um relógio de bolso que substituísse o que fora perdido – para não dizer roubado – nessa mesma manhã. A maioria dos clientes eventuais preferia os negócios por encomenda.
Todavia, não era a clientela da porta da frente quem lhe sustinha o negócio.
Mina estava a ter um dia calmo. Passara a manhã a trabalhar no concerto de um relógio de cuco, almoçara uma sandes nos jardins públicos a dez minutos da relojoaria, e regressara a tempo de discutir com o serviço de entregas a melhor maneira de transportar o relógio de corda que o Visconde d’ Arreios encomendara. Franzia o cenho à bainha da saia, que acabara de descobrir descosida, quando o estrondo se fez ouvir. Ergueu os olhos surpreendida, ouvindo o chilrear alarmado que se seguiu, assim como os gritos e as solas em fuga. Não demorou para que o alarme se sobrepusesse a tudo o mais.
Não pode ter sido muito longe, ponderou. A curiosidade dirigia-a para a entrada da loja quando a porta se abriu num rompante, fazendo tocar a campainha. Uma mulher alta, envergando um fato de calça e casaco bege, e de caracóis negros apanhados num coque, irrompeu pelo local. Os olhos avelã fitaram-na em súplica, parecendo deslocados do rosto de feições duras. Respirava com dificuldades.
− A-atrás de mim … E-eles vêm … por favor …
Mina afastou-se, apontando para a cortina amarela. A mulher não hesitou, saltando por cima do balcão e escondendo-se nas traseiras da loja, onde os relógios em reparação eram mantidos. A relojoeira retornou ao seu posto, retirando a caixa duma das prateleiras que constituíam as traseiras do balcão, e sentando-se a refazer a bainha. A necessidade de atenção para que os pontos fossem precisos dispersava-lhe a irritação.
Tic-toc-tic-toc.
A campainha voltou a tocar, desta vez dando entrada a um par de guardas. Mina sentiu uma má-disposição imediata, os olhos vagueando sobre os amuletos anti-bruxaria que lhes pendiam do pescoço. Um complemento à farda azul e branca que havia sido recentemente ajustado com as Armações Bélicas Lopes & Cia, num acordo que os jornais da oposição clamavam ter sido feito mais por interesses pessoais que pelo bem comum.
− Posso ajudá-los? – perguntou, largando bruscamente a saia. Embora a opinião pública começasse a fazer menos alarido em relação a tornozelos à mostra, ainda não era algo que fosse encarado com total naturalidade. E nos seus esforços costurais, Mina tinha puxado a sua veste bem acima do joelho.
− As nossas desculpas, minha senhora. – A visão das suas pernas cobertas apenas pelo conjunto interior havia deixado os cavalheiros claramente embaraçados. – Procuramos por um bandido, responsável pela … Ouviu a explosão de há pouco?
Mina torceu o nariz.
− Teria sido impossível não a ouvir, causou um distúrbio insuportável nos meus relógios. Perdi tempo a ajeitá-los a todos novamente, e quando acabei apercebi-me que não estava em condições de sair à rua – explicou, apontando para a caixa de costura, aberta sobre o balcão. – Ainda não tive oportunidade de ir ver o que se passou – confessou, num suspiro lamuriento.
Não tardou a que o embaraço dos oficiais fosse substituído por um misto de condescendência e