era o fim e, portanto, eles estavam livres
para serem melhores, livres para tenta-
rem mais, livres para deixarem de ser es-
cravizados e de escravizar. É uma raça tão
apegada com a tragédia dos outros, com
o sofrimento, que se fixaram inteiramen-
te na cruz e esqueceram depois de viver. mente revelamos tudo? Por que não sim-
plesmente revelamos que após a tal mor-
te não há inferno eterno ou céu eterno,
mas apenas isso: a convivência, a eterna
negociação acerca dos rumos da criação,
essa busca por um projeto melhor que o
anterior.
PROFETA 2: eu vou ter que con-
cordar, Deus. Tentei, acredite, mas os hu-
manos não se encantam muito com har-
monia; adoram falar nela, mas a fagulha
maior eles extraem, de fato, do conflito,
da perseguição, do medo. E desde que a
tal Ciência passou a produzir esses “bens
da harmonia” que geram tanto frenesi,
a narrativa divina perde força. Eu incluí
em minha história todos os profetas que
foram antes de mim, e, ainda assim, nem
sequer consegui espalhar, de fato, a men-
sagem. Imagino que quando você acei-
tou que o Diabo tivesse parte no projeto,
acabamos nos esquecendo de também
criarmos uma narrativa tão boa quanto a
dele. Claramente, a harmonia é tão fraca
quanto o binarismo é forte. DEUS: não seria óbvio? Se nós aqui
soubéssemos qual o grande ponto ou a
grande lição da existência, não estaría-
mos também nós discutindo, negociando
vantagens, elegendo e destituindo nossos
próprios líderes. Se o projeto do Diabo,
aquele anterior, falhou, foi justamente
porque dele não retirávamos ou apren-
díamos nada, senão a arte de manejar
marionetes ou dar vida a coisas as quais
nem bem compreendíamos também.
DIABO: é que vocês discutem essa
questão como se fosse uma ideia que foi
plantada neles, humanos, e deu certo.
Já perdemos, eu e Deus, noites e noites
discutindo isso. Minha conclusão é sim-
ples: sim, fiz minha parte e plantei a tal
semente binária. Mas é também bem ver-
dade que a liberdade de escolher – daí,
também de escravizar – guarda em si a
liberdade de escolher pelas explicações
mais fáceis. E isso não é humano, não é
divino, isso é Ser. Somos, aqui, em nos-
sas discussões, todos favoráveis ao mais
fácil. E o mais fácil é sempre achar que
existem eu e o outro, apenas; não eu e
os vários outros. O ideal para mim seria
o caos “criativo” gerado por um monte
de inimigos, algo como treze estados bri-
gando uns com os outros, sem qualquer
aliança, mas...
DIABO: Deus, é minha sugestão,
de alguém que deseja o bom combate,
ache narrativa mais fácil; mude a estraté-
gia: ao invés de um profeta inteiramente
humano e sereno, mande um que, desta
vez, chegue anunciando, ou mesmo gri-
tando o motivo para que veio, um verda-
deiro deus poderoso, que se ponha supe-
rior aos humanos. Seria algo como um
choque, uma novidade, um tema novo
para ser debatido.
DEUS: Certamente, um deus as-
sim poderia embaralhar o arranjo. O que
me preocupa é que, se não me engano,
Diabo, você apenas sugere a continuação
do que está aí. Eles já estão a fazer isso; a
única diferença é que não há nada partin-
do de nós. Os tais aparentemente “super
humanos deuses” que você sugere, já es-
tão surgindo livremente entre eles, um
pior do que o outro.
PROFETA 3: por que não simples-
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