Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 16

era o fim e, portanto, eles estavam livres para serem melhores, livres para tenta- rem mais, livres para deixarem de ser es- cravizados e de escravizar. É uma raça tão apegada com a tragédia dos outros, com o sofrimento, que se fixaram inteiramen- te na cruz e esqueceram depois de viver. mente revelamos tudo? Por que não sim- plesmente revelamos que após a tal mor- te não há inferno eterno ou céu eterno, mas apenas isso: a convivência, a eterna negociação acerca dos rumos da criação, essa busca por um projeto melhor que o anterior. PROFETA 2: eu vou ter que con- cordar, Deus. Tentei, acredite, mas os hu- manos não se encantam muito com har- monia; adoram falar nela, mas a fagulha maior eles extraem, de fato, do conflito, da perseguição, do medo. E desde que a tal Ciência passou a produzir esses “bens da harmonia” que geram tanto frenesi, a narrativa divina perde força. Eu incluí em minha história todos os profetas que foram antes de mim, e, ainda assim, nem sequer consegui espalhar, de fato, a men- sagem. Imagino que quando você acei- tou que o Diabo tivesse parte no projeto, acabamos nos esquecendo de também criarmos uma narrativa tão boa quanto a dele. Claramente, a harmonia é tão fraca quanto o binarismo é forte. DEUS: não seria óbvio? Se nós aqui soubéssemos qual o grande ponto ou a grande lição da existência, não estaría- mos também nós discutindo, negociando vantagens, elegendo e destituindo nossos próprios líderes. Se o projeto do Diabo, aquele anterior, falhou, foi justamente porque dele não retirávamos ou apren- díamos nada, senão a arte de manejar marionetes ou dar vida a coisas as quais nem bem compreendíamos também. DIABO: é que vocês discutem essa questão como se fosse uma ideia que foi plantada neles, humanos, e deu certo. Já perdemos, eu e Deus, noites e noites discutindo isso. Minha conclusão é sim- ples: sim, fiz minha parte e plantei a tal semente binária. Mas é também bem ver- dade que a liberdade de escolher – daí, também de escravizar – guarda em si a liberdade de escolher pelas explicações mais fáceis. E isso não é humano, não é divino, isso é Ser. Somos, aqui, em nos- sas discussões, todos favoráveis ao mais fácil. E o mais fácil é sempre achar que existem eu e o outro, apenas; não eu e os vários outros. O ideal para mim seria o caos “criativo” gerado por um monte de inimigos, algo como treze estados bri- gando uns com os outros, sem qualquer aliança, mas... DIABO: Deus, é minha sugestão, de alguém que deseja o bom combate, ache narrativa mais fácil; mude a estraté- gia: ao invés de um profeta inteiramente humano e sereno, mande um que, desta vez, chegue anunciando, ou mesmo gri- tando o motivo para que veio, um verda- deiro deus poderoso, que se ponha supe- rior aos humanos. Seria algo como um choque, uma novidade, um tema novo para ser debatido. DEUS: Certamente, um deus as- sim poderia embaralhar o arranjo. O que me preocupa é que, se não me engano, Diabo, você apenas sugere a continuação do que está aí. Eles já estão a fazer isso; a única diferença é que não há nada partin- do de nós. Os tais aparentemente “super humanos deuses” que você sugere, já es- tão surgindo livremente entre eles, um pior do que o outro. PROFETA 3: por que não simples- 14