SE
uando
eu não sei onde guardei
um papel importante e a procura reve-
la-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse
um papel importante para guardar, que lugar escolheria?
Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela
frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária,
e começo a pensar, diria melhor SENTIR. E não me sinto bem. Experi-
mente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente
um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser mov-
ido do lugar em que acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de re-
pente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu
fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha
fisionomia teria mudado. Como? Não sei. Metade das coisas que eu faria se eu fosse
eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria
presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada
nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primei-
ras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do
mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a
nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos
por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal
posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adi-
vinhando, porque me senti sorrindo e também senti
uma especie de pudor que se tem diante
do que é grande demais.
E
eu
c
la r
i
c
e
li