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A impressão que é passada, é que as duas musicistas são as próprias músicas e não apenas isso, são os sentimentos externalizados de Laura e de Ana, através letras, das notas musicais e das suas expressões corporais. Toda a obra é atravessada por mobilidades constantes de espaços, lugares, subjetividades, emoções que revelam ‘’ [...] um modo de estar sempre fora de si, fora de um lugar ou de uma categoria próprios, únicos, fechados, prístinos ou contidos.’’ como expressa Garramuño para indenominar o Fruto Estranho e que é esse Fruto Estranho chamado O Perfume da Memória.

Outra característica importante é que a criação é toda narrada e se passa em um tempo cronológico de 24 horas. Parece efêmera e breve, e é, mas ao mesmo tempo é a história de um encontro repentino que se desenvolve em um sopro vivido de uma noite. Tempo suficiente já que ‘’se numa noite cabe a vida inteira, tive a vida inteira pra te amar’’ como diz uma das músicas da trilha sonora. O filme se inicia: no fundo a imagem das duas musicistas paralisadas e a voz do narrador com a seguinte fala ‘’ eu vou contar uma história para vocês, era uma vez, é difícil precisar o exato momento que uma história começa, aquela hora que pessoas deixam de ser pessoas e viram heróis, vilões e donzelas, ou aquele instante subito repentino em que um fato deixa de ser simplesmente um fato e se transforma numa história’’ seguindo, ele situa quem são as duas personagens através da narração e de algumas cenas, e logo após, Ana está na Porta de Laura, do nada, ambas não se conheciam, tinham apenas amigos em comum, ‘’ninguém sabe como’’ diz o narrador, Laura deixa Ana entrar e se tudo se inicia. O Perfume da Memória apesar de ser narrada, ela é autônoma a um narrador, pois a história esta em curso, se apresentando e sendo presentificada, mas há uma narração que aparece em partes específicas e dá a história um caráter ainda mais lírico e se há uma narração, é porque o narrador já sabe da história, isso fica claro no início, logo, ela já aconteceu mas está acontecendo, outro paradoxo desse fruto. Um conto-filme-narrativa-arte-inespecifico.

Apesar de ser classificado como um filme (acredito que por fins capitalistas e para categorização), O Perfume da Memória possui um hibridismo que se auto manifesta como não pertencente a lugar algum, —‘’ Não pertencimento à especificidade de uma arte em particular, mas também, e sobretudo, não pertencimento a uma ideia de arte como específica.’’ (GARRASMUÑO) , p.6) — que traz a obra uma mobilidade e uma grandiosidade única, além de provocar no espectador os mais diversos sentimentos e