Jornal do Clube de Engenharia 617 Março/Abril 2021 | Page 3

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março / abril de 2021 vacinas

Em debate a soberania nacional na saúde

Aumenta a pressão internacional pela suspensão de patentes das vacinas contra Covid-19 . As razões são muitas , com destaque para o fato de que cerca de 40 % de todas as doses de vacinas aplicadas no mundo estão concentradas em 27 países . A proposta conta com o apoio de mais de 100 países na Organização Mundial de Saúde ( OMS ). Urge acelerar , especialmente nos países pobres , a produção de imunizantes .
A importância de esclarecer a sociedade brasileira a respeito da produção nacional de Insumos Farmacêuticos Ativos ( IFAs ) usados na produção de medicamentos e também de vacinas , inclusive contra a Covid-19 , levou o Clube de Engenharia e o Conselho Regional de Química da Terceira Região ( CRQ-III ) a realizarem , no dia 15 de abril , painel virtual com a participação de especialistas da área .
Com a presença do presidente do Clube de Engenharia , Pedro Celestino , e do presidente do CRQ-III , Rafael Barreto Almada , participaram do encontro a palestrante Eloan dos Santos Pinheiro , ex-diretora de Farmanguinhos da Fiocruz , fabricante dos coquetéis antivirais contra AIDS na época da quebra de patente desses produtos .
Como debatedores o encontro contou com as presenças de David Tabak , Engenheiro Químico aposentado da UFRJ e vice-presidente do CRQ -III ; Pedro Palmeira , Engenheiro Químico aposentado do BNDES , onde chefiou o departamento Defarma , responsável pelo programa de apoio à produção de medicamentos genéricos no Brasil , Profarma ; e o também Engenheiro Químico e empresário Marcus Soalheiro Cruz , vice-presidente da empresa Nortec Química , com mais de 40 anos de vivência no desenvolvimento e produção de IFAs e maior fabricante da América Latina .
Contra patentes em medicamentos
Eloan Pinheiro , profunda conhecedora dos temas em pauta , com especialização em Tecnologia Farmacêutica pela University of London e trabalho reconhecido na Organização Mundial de Saúde apontou o que considera primordial no debate sobre IFAs : as patentes que impedem a criação de medicamentos genéricos por 20 anos . “ A argumentação da indústria é que é preciso repor os investimentos . Mas , por favor , deixar as pessoas morrerem porque não podem pagar por um produto muito caro , porque a indústria colocou altos lucros e não abre como foi o desenvolvimento desses medicamentos , são questões que precisamos abordar . Eu , particularmente , sou contra patentes em medicamentos e alimentos . Sou contra as patentes na Organização Mundial do Comércio , que é onde discutem tarifas ”, afirmou , dando ênfase à necessidade de se olhar a saúde como direito universal e constitucional , expresso na Constituição de 1988 .
A falta de perspectiva de investimentos públicos na cadeia de produção de IFAs no Brasil foi outro ponto crucial na intervenção de Pedro Palmeira . “ Existe uma indústria de IFAs , indústrias farmoquímicas que têm competências , necessidades , capacidades , demandas e rentabilidade diferente da indústria de intermediários . E , adiante , temos as indústrias farmacêuticas propriamente ditas , que ‘ misturam ’ os IFAs a coadjuvantes para permitir que os medicamentos sejam administrados em nosso corpo ”, explicou . Palmeira deixa claro que , no âmbito de produção de vacinas , não existe uma indústria de IFAs separada da produção das vacinas em si . “ No Brasil , tivemos enorme avanço a partir dos anos 2000 no elo da indústria farmacêutica ”, contou , afirmando que isso tem sido , no entanto , enfraquecido nos últimos anos .
Tânia Rêgo / Agência Brasil
Empresa nacional nasce dentro da Fiocruz
Já em um campo macro , David Tabak propôs que se ampliasse o campo de abrangência do debate , esclarecendo que os IFAs não se limitam às vacinas . “ É óbvio que , nos dias de hoje , elas é que estão em evidência . Mas não podemos esquecer que todo um universo de medicamentos também precisa ser discutido ”. A inabilidade do governo federal atual em coordenar a aquisição e produção de vacinas no Brasil reflete , para Tabak , a falta de uma política de Estado para esta indústria , que é essencial para a saúde dos brasileiros .
Representando a Nortec , Marcus Soalheiro Cruz explicou que a empresa que dirige , nacional , surgiu em um contexto no qual havia incentivo para o florescimento de iniciativas que atendessem ao mercado interno . “ Nós surgimos dentro da Fiocruz . Nosso primeiro local de trabalho foi Farmanguinhos ”, contou . Cruz lembrou que houve proteção para as empresas nacionais no ramo farmoquímico , apesar de um ambiente regulatório inseguro . “ Temos em torno de 40 IFAs sendo produzidos , também para atender o mercado exterior , no qual temos margens melhores ”. Apesar disso , critica o alto investimento do atual governo federal em fabricantes estrangeiros , como os da Índia , quando poderia haver um movimento de também impulsionar a indústria nacional . A soberania dos IFAs já é vislumbrada , por exemplo , por países como os EUA , que veem com preocupação a dependência de países como a China .
Sebastiana Cesário , graduada em Química na UFRJ com Pós-Graduação em Engenharia Sanitária na UERJ foi a mediadora . Pelo Clube de Engenharia coordenam o projeto Maria Alice Ibañez e José Eduardo de Andrade , membros do Conselho Diretor .
Primeiro de dois paineis sobre o tema que estão sendo organizados pelo Clube de Engenharia e o CRQ -III , o debate pode ser visto na íntegra no Youtube do Clube de Engenharia : https :// bit . ly / desafioIFAs
Brasil importa da Índia e da China 90 % do Insumo Farmacêutico Ativo ( IFA ) necessário para o país produzir vacinas e remédios .
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