MAIO A setembro de 2020 o país
O papel do Estado e a reorganização da economia Uma nova ( velha ) geopolítica
Uma das questões centrais discutidas pelos especialistas convidados para a websérie Brasil Amanhã é o papel do Estado no pós-pandemia . Para Gilberto Bercovici , doutor em Direito do Estado e professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ( USP ), o país precisa fortalecer a atuação do Estado como organizador da economia . “ Para poder reconstruir é necessário que o Estado possa organizar novamente o processo econômico , de tal forma que seja estruturado de maneira a beneficiar da maior e melhor forma possível a população , que possa integrá-la no processo de desenvolvimento , possa retomar o processo de industrialização , reverter a desindustrialização que o país sofre nas últimas décadas , e poder diversificar a nossa economia , poder ampliá-la . A afirmação de uma soberania econômica , da reestatização , é fundamental para o futuro do país ”, opina Bercovici .
“ Não há outra saída para amenizar os efeitos da pandemia senão ampliar os gastos públicos . Isso o mundo todo está fazendo . Na crise econômica , o Estado tem que cumprir o seu papel ”, afirma Antonio Correa de Lacerda . O presidente do Confecon lembra que os países do G20 , que representam 70 % do PIB global , seguem essa diretriz . “ Eles têm obrigações a cumprir , e essas obrigações são definidas em regimes republicanos e democráticos pela Constituição . Essa ideia do Estado mínimo , a ideia da privatização como solução para tudo , da
Projeto de Nação
Uma unanimidade entre os especialistas ouvidos pelo Brasil Amanhã é que uma retomada da sociedade brasileira pós-Covid-19 só será possível se houver um planejamento estratégico e de longo prazo . “ Precisamos pensar uma nova lógica de operação para a economia brasileira que garanta o crescimento com uma profunda transformação social e mudança estrutural com igualdade ”, afirma a economista Esther Dweck . “ Precisamos de projeto social de desenvolvimento , com crescimento e transformação social ; de distribuição de renda e de patrimônio ; da ampliação de oferta pública de bens e serviços básicos , da readequação na estrutura produtiva em linha com esse projeto , e assim garantir empregos de qualidade e acesso universal abertura econômica a qualquer preço , isso já foi superado ”, diz Lacerda .
Ricardo Bielschowsky , doutor em Economia e professor do Instituto de Economia da UFRJ , afirma que esta é uma crise econômica sem precedentes por uma série de motivos , incluindo a retroalimentação da crise de oferta e demanda . “ O provável é que vai haver uma enorme estatização das dívidas impagáveis , em curto prazo , parte das quais impagáveis também em um longo prazo , a isso se chama de socialização de perdas . São operações necessárias , em tempo de crises severas , mas que têm que ser cobertas de muito critério , cuidado , fiscalização , pra que não permitam que os bancos se aproveitem pra lucrar de forma espúria , como já parece ter acontecido num passado recente ”, critica ele .
Para Carlos Aguiar de Medeiros , doutor em Ciência Econômica pela Unicamp e professor titular da UFRJ , os possíveis movimentos de reorganização da economia e do papel do Estado podem acabar se mostrando temporários . “ Precisamos refletir até que ponto as transformações que estão em curso aqui irão resultar numa mudança na forma de organização das instituições do chamado capitalismo global , do neoliberalismo em geral . Pode acontecer como resposta , digamos , após a crise , a mesma coisa que aconteceu com a crise de 2008 / 2009 , ou seja , você ter políticas mais sociais democratas , políticas keynesianas , políticas de proteção . Mas , uma vez debelada a crise , é possível que o mundo volte ao status quo ”, analisa ele .
à saúde , educação , cultura e demais serviços sociais básicos para a população ”. “ Uma política de inovação só existe , e só pode ser feita , se o país tiver projeto de nação . E uma política de inovação está inserida dentro dos direitos de cidadania ”, defende Luiz Martins de Melo , doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ , entendendo que o desenvolvimento científico e tecnológico deve ser central . “ A ciência foi deixada de lado no Brasil e agora se descobriu que precisamos da ciência , mais que nunca , e também de engenheiros , economistas , administradores , contadores , sociólogos , para usar a ciência para pensar como vamos superar esta crise e para definir esse mundo novo ”.
No âmbito das relações geopolíticas , segundo o doutor em Ciência Econômica Carlos Aguiar de Medeiros , a tendência é de aprofundamento do que já está em curso . “ Primeiro é que a ideia de desintegração de cadeias produtivas globais , visando maior densidade industrial nacional , deverá aumentar em boa parte das economias , diminuindo a importância , portanto , das cadeias globais de valor . A segunda é a digitalização , com combinação entre a Inteligência Artificial , big data e a prestação de serviços digitais em todas as áreas . Uma outra tendência é a centralização do capital , fortalecendo essas grandes economias de plataforma , com o Facebook ”, afirma ele . Também no âmbito tecnológico , defende Medeiros , a rivalidade entre EUA e China em relação aos equipamentos de telecomunicações em 5G só deve aumentar . “ E a restrição de deslocamento das pessoas entre fronteiras deverá aumentar principalmente a chamada vigilância massiva e controle das populações , através de Inteligência Artificial . Por fim , há a questão da desigualdade : a tendência , no meu ponto de vista , é um aumento da desigualdade , e não uma diminuição ”, lamenta ele .
Esther Dweck concorda que a disputa entre EUA e China deve aumentar . “ Os dois países estão saindo da pandemia acirrando o conflito que já vinha acontecendo antes , e que , com certeza , vai abalar um pouco a maneira como cada país vai se colocar nessa disputa . O Brasil , infelizmente , está parecendo que vai se aliar de forma muito unilateral aos EUA , sem ter nenhum benefício desse tipo de alinhamento ”, critica ela .
“ Nós não podemos ter um país com a dimensão continental do Brasil , com mais de 200 milhões de habitantes , que não tenha os seus interesses definidos , internacionalmente , de forma autônoma ”, defende Luiz Martins de Melo . “ Quais são os interesses do Brasil ? Ficar submisso à potência dominante , não ter capacidade de desenvolver tecnologia para a sua indústria , não ter capacidade de desenvolver sua capacidade , não só de defesa militar , mas de defesa do seu cidadão , sistema de saúde , sistema de saneamento , sistemas de infraestrutura ? E notem bem , todos esses sistemas de infraestrutura são sistemas que têm uma enorme capacidade de gerar emprego , incluindo na engenharia , que é uma fonte importantíssima do sistema de inovação ”, afirma ele .
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