Jornal do Clube de Engenharia 613 (Maio a Setembro de 2020) | Page 6

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Superar desigualdades históricas
o país

Visões para a economia , o Estado e a sociedade no pós-pandemia

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O ano de 2020 aprofundou todos os maiores desafios das nações no mundo diante de uma pandemia que , em poucos meses , paralisou boa parte da economia global , trazendo medo para as pessoas e insegurança para os governos . Dados da Organização Mundial da Saúde apontavam , em 21 / 09 , mais de 960 mil mortos por Covid-19 , número que continuará a crescer enquanto uma vacina não for disponibilizada — o que , graças a esforços inéditos de cientistas , pode acontecer em tempo recorde . A vida em sociedade desacelerou , e a Internet ratificou seu lugar de essencialidade para a comunicação no contexto em que o distanciamento social se tornou a regra . O Brasil , diante da completa ausência de uma coordenação nacional , viu pouco a pouco a doença se espalhar , tornando-se o segundo país no mundo , atrás apenas dos EUA , com mais vítimas : mais de 136 mil mortos , além de 4,5 milhões infectados .
O Clube de Engenharia , ciente de seu papel histórico em contribuir para os debates urgentes da sociedade brasileira , entendeu o distanciamento social também como uma oportunidade de manter vivos os grandes debates nacionais . Ainda em março , no início da pandemia no país , o Clube lançou a websérie “ Brasil Amanhã ”, cujo objetivo era simples , ainda que desafiador : convidar especialistas — da engenharia , economia , saúde e outras áreas — para pensar o futuro do país no pós-pandemia , sem deixar de lado a urgência de se falar também no presente . Ao todo , já são mais de 50 episódios , que traçam importantes estratégias para se pensar o Brasil nos próximos anos . Reunimos a seguir depoimentos com reflexões dos economistas sobre a atual conjuntura e os caminhos para a retomada de um desenvolvimento sustentável em nosso país . A diversidade de opiniões encontra lugar comum em uma certeza : a de que esta é a crise mais séria que o país enfrenta em sua história recente .

Superar desigualdades históricas

No ano do centenário de nascimento de Celso Furtado ( 1920-2004 ) e Florestan Fernandes ( 1920-1995 ), importantes pensadores das estruturas socioeconômicas historicamente desiguais do Brasil , a doutora em Economia Esther Dweck , professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ), lembrou que a pandemia acentuou uma crise que o país já vivia . “ Desde a crise de 2015 houve uma perda de empregos formais e informais , e basicamente depois que a economia voltou a crescer só se gerou empregos informais , com mais de 4,5 milhões de brasileiros voltando para a pobreza extrema ”, lembra ela . “ E os países mais afetados pela crise do coronavírus foram os que , como o Brasil , são muito desiguais , estão com a desigualdade crescendo , ou estão destruindo seu status de bem-estar social ”, afirma Dweck .
A falta de políticas robustas de bem-estar social escancarou como o distanciamento social é difícil ou impossível para uma parcela expressiva dos brasileiros . Antonio Correa de Lacerda , doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp , presidente do Conselho Federal de Economia ( Cofecon ) e professor e diretor da Faculdade de Economia , Administração , Contabilidade e Ciências Atuariais da PUC-SP , lembra que os dados são alarmantes : “ Metade da população brasileira não tem acesso a saneamento básico . E , infelizmente , milhões de brasileiros habitam moradias precárias . Várias pessoas , às vezes dezenas de pessoas , acotovelam-se numa pequena habitação . É mais grave ainda quando se fala em higiene e medidas sanitárias básicas , como água potável e esgoto ”, afirma ele .
“ O desafio do isolamento é que uma parcela muito importante da população já não fazia parte plenamente da sociedade , da economia , vivendo um pouco à margem ”, salientou José Roberto Afonso , doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ) e ex-superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social ( BNDES ). “ Esses trabalhadores informais que perderam a sua renda precisam ser ‘ retreinados ’. Mais do que nunca a gente precisa colocar o Sistema S , o Sebrae , o Fundo de Amparo ao Trabalhador ( FAT ), o Ministério do Trabalho , Secretaria do Trabalho , trabalhando juntos ”, propõe ele .
Para Esther Dweck , uma transformação no cerne da educação brasileira deveria ser um objetivo para o pós-pandemia . “ A gente precisa aumentar a produtividade para superar essas estruturas de produção dual , isto é , quando você tem uma parcela da população que está inserida num sistema econômico que é comparado aos países desenvolvidos , e em outra parte grande da população que fica a margem desse processo , em situações muito baixas de produtividade , ganhando salários muito baixos ”, afirma . “ O grande problema da desigualdade é que ela interfere diretamente na capacidade democrática . Quando grande parte da população ao fundo está alijada , está fora do processo de desenvolvimento , recebendo muito pouco os frutos do desenvolvimento de um processo de melhora da economia nacional , você começa a perceber que as pessoas no fundo não têm voz , elas não têm acesso , elas não têm direitos básicos ”, reflete a professora .