Jornal do Clube de Engenharia 608 (Novembro de 2019) | Page 5

novembro DE 2019 Segurança Tragédias urbanas: evitáveis, mas recorrentes Incêndios e desabamentos podem parecer fatos dispersos, mas a grande verdade é que contam hoje, em sua grande maioria, uma única história: a das tragédias urbanas que poderiam ter sido evitadas, no caso dos incêndios, com fiscalização e manutenção, e no caso dos desabamentos, com a contrata- ção de equipes experientes em recupe- ração de estruturas. Em ambos os casos, a tragédia anunciada acontece por falta de uma cultura de segurança que, no Brasil, continua a não dar sinal de estar em um horizonte próximo. Entre os especialistas, há um consenso: não é razoável chamar de acidentes tra- gédias cujos riscos já eram conhecidos. Incêndios que têm início em sistemas elétricos, infelizmente, não são raros e geralmente têm relação direta com a falta de manutenção especializada. Engenheiro civil e especialista em engenharia legal, Antero Parahyba, Para ele, no caso do desabamento do prédio, onde havia uma reforma em andamento, com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) re- gistrada junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/ CE), com o objetivo de reforçar as estruturas de sustentação, faltou sen- sibilidade do condomínio ao contra- tar a empresa para a reforma. “Cor- rigir concreto, reparar concreto são práticas que vêm com a experiência. Parece que o profissional que fazia o serviço era recém-formado, sem estrada suficiente para trabalhar em uma recuperação de concreto onde a degradação estava muito avançada. Faltou sensibilidade do pessoal do condomínio que o contratou. Deci- diram pelo menor preço e o menor preço deu nisso”, analisa. para a outra em determinado tempo. Há uma legislação no Rio de Janei- ro, por exemplo, que exige uma sala resistente ao fogo por duas horas para geradores. Pelo que vimos no incên- dio, o fogo se alastrou em bem menos que isso. É preciso entender por que a sala onde estava o gerador não tinha essa resistência”, aponta Barradas. Entre as mensagens que as tragédias urbanas dos últimos anos deixam está a urgência de se colocar em prática as mais recentes filosofias preventivas desenvolvidas pelos especialistas no assunto. Engenheiro Mecânico e de Segurança, Robson Santos Barradas destaca que existem sistemas e filo- sofias de segurança que ainda não são bem empregados no Brasil e que po- deriam evitar tantas perdas. “No que diz respeito aos incêndios, do final do século passado para cá se pensa muito na estanqueidade da construção. Ela é dividida em células, o que não permite que o incêndio passe de uma célula O conselheiro do Clube de Enge- nharia, Manoel Lapa, especializado em estruturas, referindo-se ao edifí- cio residencial de sete andares que, em outubro, veio abaixo em poucos segundos, em um bairro nobre de Fortaleza, lembra que as imagens mostravam que as bases dos pilares do prédio já estavam bastante degradadas e, nesses casos, é muito importante que se busque contratar um serviço especializado em recuperação estrutu- ral. “As empresas não são iguais. Nem todo mundo sabe o que e como fazer. Essa área de patologias de estrutu- ras não tem cadeira na universidade. Normalmente nos cursos de estrutura aprende-se a calcular vigas, pilares, mas geralmente para obras novas. Não para estruturas que já têm 50, 60 anos e estejam em ambiente agressivo, onde vão perdendo massa e ferros vão corroendo, entre outros problemas”. sócio do Clube de Engenharia, destaca que os materiais que com- põem uma edificação não são eternos e a falta de um acompanhamento constante pode acabar resultando em grandes perdas, como no caso do edifício citado: a manutenção veio tarde demais. “O cimento, a madeira e os parafusos de um telhado, por exemplo, se dilatam e retraem de acordo com as variações térmicas, cada um da sua forma, e isso acaba causando problemas. Cedo ou tarde a telha quebra, o parafuso entra em corrosão e a madeira apodrece. Por isso, tudo em uma edificação preci- sará de reparos. O mesmo acontece com os pilares. A água da lavagem do carro que acumula na base dos pilares gera umidade. O sabão contém cloro e alimenta a corrosão. Com o tempo, tudo isso vira um problema sério”, explica Antero. Entre as mensagens que as tragédias urbanas deixam está a urgência de se colocar em prática as recentes filosofias preventivas desenvolvidas por especialistas. O engenheiro destaca que há formas de evitar novas tragédias, que não são acidentes. “O que há é a falta de procedimentos de segurança ade- quados”, destaca Barradas. Evitar essas tragédias passa por um trabalho realizado com foco em um tripé: educação, legislação e fiscalização. “Nossa educação é fraca porque nos cursos de engenharia e arquitetura não há nada aprofundado no que diz respeito à segurança contra incêndio. A inspeção é praticamente impossí- vel para o corpo de bombeiros. Falta pessoal. É uma falha generalizada que acontece em diversos locais do mundo”, destaca. A queda do nível do ensino de Enge- nharia tem relação direta com as tra- gédias urbanas, falhando justamente na educação da população. “Nós não temos uma cultura de manutenção solidificada no Brasil. O próprio setor público mostra isso: pontes e viadutos estão cheios de manifestações patoló- gicas e boa parte disso ocorre por falta de manutenção. Todo ano é preciso olhar a estrutura, mas ninguém tem conhecimento disso. A manutenção periódica costuma ficar restrita às bombas, aos equipamentos da edifica- ção”, destaca Lapa. “Nós, engenheiros e entidades da Engenharia como o Crea e o Clube de Engenharia levamos para a sociedade a necessida- de de se fazer manutenção preventiva e preditiva para que as edificações tenham uma vida útil razoável. Preci- samos criar essa cultura”, finaliza. 5