Jornal do Clube de Engenharia 607 (Outubro de 2019) | Page 5

outubro DE 2019 da como um recurso que garantia a continuidade de investimentos da Petrobrás, sendo a operadora, com a política industrial brasileira, com o empresário brasileiro, com universi- dade brasileira. A decisão de colocar os excedentes da cessão onerosa à venda em leilões muda tudo. Petróleo não é uma commodity. Em bens es- tratégicos não se faz conta. Em bens estratégicos, inclusive, desenvolvidos nacionalmente! Por que é mais negó- cio para o Brasil produzir o petróleo no Rio Grande do Norte, na Bahia, em Sergipe, ainda que seja mais caro do que o importado? Porque quan- do você produz no Brasil, você dá emprego à população brasileira, você paga impostos que revertem para o desenvolvimento nacional. A missão da empresa estatal é remunerar seus acionistas, mas atenta ao compro- misso com o país. A Petrobrás cria emprego, tem uma capilaridade mui- to grande com a sociedade, com as comunidades locais, com a missão de promover e incentivar o desenvolvi- mento local, o bem-estar e a dinâ- mica econômica das comunidades. É sua função como empresa estatal. CE - Qual o cenário que se vislumbra em curto prazo? Guilherme Estrella – Nos aspectos mais estratégicos, sob o ponto de vista industrial, não haverá investimento. Empresas estrangeiras vão investir aqui no que há de corriqueiro, de im- portância muito relativa. Tecnologias sensíveis para capacitar a empresa para que continue crescendo e se desen- volvendo tecnologicamente serão de responsabilidade das universidades e empresas de seus países de origem. CE – Como definir a gestão da Petro- brás hoje? Guilherme Estrella – A Petrobrás está sendo gerida como uma empresa privada, mas não como uma empresa privada tradicional. Ela está sendo gerida com um modelo capitalista não-produtivo, rentista, como dizem os estudiosos. O capitalismo produti- vo é dinheiro que produz mercadoria, que produz dinheiro, que produz mercadoria, e por aí vai. O capitalis- mo rentista é o capitalismo financei- ro: dinheiro que produz dinheiro, que produz dinheiro, que produz dinhei- ro, que produz... CE - Dinheiro que se apropria inclusi- ve dos Estados? Guilherme Estrella – Dinheiro que vai se apropriar do que for, ou do que estiver na frente. É o máximo de lu- cro no menor tempo possível. Como pensa e faz? “Por que vou investir no Rio Grande do Norte, se tenho um investimento mais lucrativo? Não tenho mais nada a ver com o Brasil. Eu sou, na verdade, um fundo de investimentos do setor petrolífero”. O capitalismo financeiro global está sendo dominado por grandes fundos de investimentos. Tem que produzir o máximo, no menor tempo possível, para remunerar seus acionistas. Não está preocupado com os próximos 30 ou 40 anos. Está vendo o resultado do ano que vem, ou dos próximos cinco anos. É isso que está aconte- cendo com a Petrobrás. Ela está se retirando de todas as suas atividades do Brasil e se concentrando nos campos operacionais, que são os mais produtivos, e, no refino, no sudeste brasileiro, Rio e São Paulo, porque aí está o filé mignon do mercado. Esse é o plano. Estamos oferecendo o Pré-Sal brasileiro para, na verdade, sustentar a ciência, a tecnologia, e a engenharia de empresas estrangeiras. “Qualquer empresa estrangeira como operadora vai privilegiar a mão de obra de seu país de origem.” CE – Hoje, depois de tudo o que já foi vendido, em que momento estamos? Guilherme Estrella – Somos a nona economia do mundo, um país consi- derado democrático, e estamos entre os 10 mais desiguais do planeta. O Pré-Sal viria dar ao Brasil a oportuni- dade de crescer efetivamente e se tor- nar um país industrializado. Mas hoje o Brasil vive a primeira experiência de um grande país com a implantação puro sangue do capitalismo financeiro. É o tubo de ensaio do capitalismo puramente financeiro, não produtivo. Sem estratégia de longo prazo, ele quer o maior lucro, no menor prazo possível. Com isso não corre o risco da competição de mercado, e tem aversão a esse risco. Sua maior aversão é ao trabalhador, ao emprego formal, que custa caro. O capital financista não quer vínculo empregatício. E aí estou me referindo do mais simples trabalhador aos diretores e presiden- te da companhia, todos contratados por tempo determinado, sem vínculo empregatício. Também pregam o fim dos fundos de pensão. A lucratividade deve estar absolutamente protegida de qualquer tipo de risco. A Petrobrás acaba de divulgar um edital contratan- do jovens de ofício, mestres e doutores por tempo parcial, por chamada. O Brasil será a primeira experiência, em grande escala, desse acordo que acaba com a previdência e com as leis traba- lhistas e põe nossas maiores riquezas à venda. CE – Com o seu protagonismo na desco- berta do Pré-Sal é possível vislumbrar um caminho de volta ou luz no fim do túnel? Guilherme Estrella – Estamos diante de uma situação absolutamente tenebrosa, caminhando para ser um país subordinado e gerenciado pelo capitalismo não produtivo. Vem aí a revolução 4.0, inteligência artificial, robotização máxima, tudo integrado à inovação, com dezenas de milhões de brasileiros absolutamente despre- parados para enfrentar esse futuro. E as universidades destruídas, até porque seus alunos não veem pers- pectivas de emprego. É gravíssimo. E toda a indústria brasileira desnacio- nalizada. Vejo isso como uma ameaça gigantesca. Estamos sob ocupação estrangeira em um processo de des- nacionalização da indústria. Quando você desnacionaliza a indústria, você não precisa mais de engenheiros. O Brasil tem 50 mil engenheiros de- sempregados. E os atuais governantes representam esse conjunto de visões, que consubstanciam os interesses do grande sistema financeiro internacio- nal não produtivo. CE – Como romper esse ciclo? Há quem diga que a ruptura esbarra nas relações internacionais. Guilherme Estrella – Mas a verdade é que o mundo não vive sem o Brasil, sem a comida brasileira, não vai viver sem a água brasileira, sem os minérios brasileiros. Nós precisamos nos co- nhecer para sentarmos à mesa com a nossa importância de país, conscientes dos recursos valiosíssimos que temos para a humanidade. Entre as nossas principais dificuldades está a guerra da informação. A nossa história como povo e sociedade não contempla nos seus princípios e valores a inteligência nacional. Qualquer movimento de soberania não pode prescindir dis- so, e no caso do Pré-Sal é flagrante como nos olham por causa das nossas riquezas. Anunciada a descoberta do Pré-Sal, três meses depois os EUA reativaram a quarta frota. Em 2013 revelações de Edward Snowden confirmaram a espionagem pelos EUA na Petrobrás e na presidência da República brasileira. Estamos inseri- dos nesse conjunto de fatos e situações que confirmam: o Brasil é o país mais importante para a estratégia america- na. O País como um todo tem que ter consciência da sua potencialidade e da sua importância global. 5