Jornal do Clube de Engenharia 607 (Outubro de 2019) | Page 4
Defender a
Petrobrás
é defender
o Brasil
“O Brasil está sob ocupação estrangeira, em
processo de desnacionalização de sua indústria”
Entrevista: Guilherme Estrella
CE – Voltando um pouco no tempo,
como entender o mega leilão dos
excedentes da cessão onerosa que o atual
governo brasileiro promove?
O geólogo Guilherme Estrella
tem em sua bagagem profissional
cerca de 35 anos de Petrobrás,
onde ocupou diversos cargos
gerenciais. Foi gerente de
Exploração da empresa no Iraque,
entre 1976/1978, quando foi
descoberto ali um campo gigante
de petróleo: Campo de Majnoon.
De 2003 a 2012 foi diretor de
Exploração e Produção (E&P)
quando, a partir de 2006, à
frente das equipes responsáveis
pelas descobertas de enormes
jazidas de petróleo nas bacias
sedimentares do Espírito Santo e
Santos, ficou conhecido como o “pai
do Pré-Sal”. Em 24 de outubro
concedeu a entrevista que segue ao
Jornal do Clube de Engenharia.
Ninguém melhor que Guilherme
Estrella para esclarecer as
razões que o levam a cobrar da
sociedade brasileira uma urgente
mobilização em prol da retomada
de um projeto de país soberano.
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Guilherme Estrella – Diante da
constatação de que a descoberta do
Pré-Sal era gigantesca, e da condição
da Petrobrás como operadora única,
a diretoria da empresa viu que seriam
necessários investimentos de grande
porte. Para isso, a Petrobrás precisava
se capitalizar, e, como fazem as gran-
des empresas, a opção foi a abertura
de capital. Mas, para ir ao mercado,
ela precisava apresentar um ativo que
desse segurança e conforto ao inves-
tidor que se dispusesse a comprar
suas ações.
CE – Na ocasião a magnitude do Pré-
Sal já estava confirmada?
Guilherme Estrella – Sim. O Pré-
Sal, em 2010, em termos de reserva,
estava delineado. Neste cenário, a
Petrobrás e a União firmaram um
contrato no qual uma das condições
para sustentar a capitalização, em
termos de volume de reserva, era
identificar locais a serem perfurados,
com grande possibilidade de sucesso
nas perfurações. Em uma primeira
avaliação das áreas mapeadas, che-
gou-se à conclusão que teriam, no
mínimo, 5 bilhões de barris de reser-
vas. E assim foi feito o acordo com
áreas nas quais não havia nenhum
tipo de risco exploratório.
CE – O que ficou estabelecido?
Guilherme Estrella – A Petrobrás
ficaria com os 5 bilhões de barris,
que serviriam do lastro material para
que a capitalização se concretizasse
e como operadora única pagaria à
União esses 5 bilhões. Só que com a
continuidade das perfurações e das
avaliações da Petrobrás, logo no iní-
cio atingimos os 5 bilhões de barris,
se não mais. Isso seria a garantia de
longo prazo para a companhia. E
como ultrapassamos em muito os 5
bilhões com as primeiras perfurações,
a empresa ficou tranquila porque o
excedente ficaria sob sua responsabi-
lidade, do ponto de vista operacional.
Mas o tempo passou, a presidente
Dilma foi destituída do cargo, e o
acordo foi revisto.
CE – O que mudou e quais as
principais razões?
Guilherme Estrella – A primeira ra-
zão das mudanças foi o grande volu-
me de óleo envolvido. O Pré-Sal tem
50, 60 bilhões de barris em potencial,
e um potencial bastante concreto em
termos de previsões da sua capacida-
de de reserva. A segunda razão foi o
fato de ser a Petrobrás a operadora
única, o que a encaixava perfeitamen-
te na política de defesa do conteúdo
nacional que o país vinha implan-
tando, visando o desenvolvimento
industrial brasileiro, minimamente
autônomo, com inovação tecnológica.
CE – Por que depois do impeachment da
presidente Dilma Rousseff o primeiro
passo do governo Temer foi a destituição
da Petrobrás como operadora única?
Guilherme Estrella – Porque o de-
senvolvimento verdadeiramente in-
dustrial considera que a indústria está
acoplada a um esforço de inovação;
se não tem inovação não é indústria.
Isso é absolutamente verdadeiro do
ponto de vista do desenvolvimen-
to científico e tecnológico. O que
está por trás desse primeiro ataque
à Petrobrás é o controle científico e
tecnológico envolvido na explora-
ção do Pré-Sal. Mas existem outras
razões. O operador dos consórcios
decide tudo, desde o projeto de enge-
nharia até equipamentos e materiais.
Os demais participantes do consórcio
têm uma atuação muito pequena em
relação à decisão dos grandes temas
e assuntos no cumprimento de suas
atribuições. Qualquer empresa es-
trangeira que fosse operadora, com as
mudanças na legislação, certamente
iria, como vai, privilegiar as empresas
do seu grupo, universidades e mão de
obra de seu país de origem.
CE - Que mudanças na legislação vêm
privilegiar as empresas estrangeiras?
Guilherme Estrella – Entre outras
medidas, o governo aprovou a isenção
de impostos à importação de materiais
e equipamentos e facilitou o exercício
da engenharia no Brasil por engenhei-
ros estrangeiros. Isso já está dentro de
um contexto que é claramente para
o domínio do Pré-Sal por interesses
estrangeiros. De maneira totalmente
irregular, anularam a obrigatoriedade
de a Petrobrás ser a operadora única e
transferiram para a empresa o direi-
to de confirmar ou não se quer ser a
operadora. Por que irregular? Porque
a política de operação única era uma
política de Estado e não da Petrobrás,
empresa com acionistas e interesses
privados, que não iria cumprir uma
política de Estado.
CE - Voltando à cessão onerosa...
Guilherme Estrella – A cessão
onerosa do Pré-Sal estava guarda-