Jornal do Clube de Engenharia 600 (Março de 2019) | Page 3

março DE 2019 O PAÍS Acionistas aprovam acordo de venda da Embraer A assembleia de acionistas foi uma das etapas finais para a consolidação do negócio, que envolve a criação de uma nova empresa controlada pela Boeing e com participação de 20% da Embraer. tes. Tanto o governo anterior quanto o atual, entretanto, deram aval para a desnacionalização. O governo atual, inclusive, entrou na Justiça para derrubar duas decisões liminares que impediam a realização da assembleia de acionistas, conseguidas anterior- mente por um grupo de parlamenta- res e pelo sindicato dos trabalhadores da Embraer. Terceira maior fabricante do mundo de aeronaves comerciais e terceira maior empresa exportadora do Brasil, a Embraer deu mais um passo para a criação de uma sociedade comercial (joint-venture) com a americana Bo- eing, outra gigante da aviação. Apro- vado em assembleia de acionistas no dia 26 de fevereiro, o negócio acentua, no entanto, a preocupação de setores da sociedade brasileira com relação à desnacionalização da economia. Isso porque o que poderia ser uma parceria estratégica se desenha como a prová- vel extinção de maior parte da Em- braer, já que 80% de toda a sua divisão comercial, ao preço de 4,2 bilhões de dólares, passará para as mãos de uma empresa estrangeira. O que poderia ser uma parceria estratégica é a provável extinção da maior parte da Embraer. leve a uma queda de 50% nas receitas da Embraer em 2020, de acordo com comunicado aos acionistas feito em janeiro. Todas essas movimentações ainda deverão ser aprovadas pelas autoridades regulatórias do Brasil e internacionais, última etapa para que o negócio seja fechado. Os acionistas que aprovaram o acordo por 96,8% dos votos válidos representam, segundo a Embraer, 67% de todas as ações em circulação da empresa, que foi privatizada em 1994. Também foi aprovada a criação de uma segunda joint-venture, de valor não divulgado, que contempla a divisão de aeronaves de transporte militar, como o KC-390 utilizado pelas Forças Armadas brasileiras — a Força Aérea Brasileira, que detém a propriedade intelectual do KC-390, receberá royalties pelo licenciamen- to em outros países. Neste caso, a Embraer deterá 51% das ações e a Boeing ficará com os 49% restantes. Em entrevista à TV 247, Pedro Ce- lestino, presidente do Clube de En- genharia, afirmou que transferência para a Boeing do controle da divisão comercial, a mais importante da Em- braer, representa uma perda para o desenvolvimento e para a engenharia nacional. “A Embraer é uma gran- de empresa de engenharia. É nossa empresa de maior base tecnológica. Dos seus 18 mil funcionários, sete mil são engenheiros, dos quais cinco mil são ligados diretamente a projeto e fabricação na linha de produção”. E completa: “O que é importante na Embraer é a sua cabeça, a sua capaci- tação tecnológica, dada pelo conjunto de profissionais especializados que nela trabalham”. Os negócios de defesa e jatos execu- tivos permanecerão como uma em- presa independente, de capital aberto. A previsão é que a separação da divi- são comercial do restante da empresa Está em jogo o controle de anos de desenvolvimento e de expertise na aviação comercial, principalmen- te a de médio porte (cerca de 150 passageiros), essencial para países de dimensões continentais, como o Brasil. Essa é justamente a fatia de mercado em que a Boeing se encon- tra mais defasada, por isso o interesse em adquirir a Embraer. Assim, a empresa americana poderá acirrar a concorrência junto à francesa Airbus, que adquiriu a canadense Bombar- dier, além de se preparar para enfren- tar o surgimento de competidores na Rússia (Sukhoi), Japão (Mitsubishi) e China (Comac). “Nada contra se associar à Boeing, que é uma grande produtora de aviões, com rede internacional de manutenção e vendas. O que é lesivo ao interesse nacional é a venda de ações. Os acionistas aprovaram a venda da empresa, o que levará à extinção do seu parque industrial”, analisa Celestino. Quando a Embraer anunciou o acordo de forma preliminar, em julho do ano passado, lembrou-se que o Governo Federal poderia intervir para garantir os interesses nacionais no negócio. Isso porque a União manteve participação acionária na empresa mesmo após a privatização nos anos 1990, incluindo uma golden share, tipo de ação prioritária que dá poder de veto em decisões importan- Pedro Celestino critica a falta de ação do Executivo para frear o processo de desnacionalização da economia, embora afirme que ainda é possível um posicionamento para contorná-lo. “Haverá um choque entre a tendên- cia neoliberal de absoluta alienação da soberania brasileira e outras forças políticas e econômicas que se opõem a esse desmonte”, avalia, lembrando de outros processos parecidos em curso, como as privatizações na Ele- trobras e na Petrobras. Sem empresas nacionais, privadas ou públicas, o desenvolvimento econômico e social do Brasil está ameaçado: “Como desenvolver o país sem ter controle sobre a energia e os insumos? O que se vê é uma proposta de desmonte deliberado de todas as conquistas econômicas que tivemos nas últimas oito décadas. Não é um processo pontual”, lembra Celestino. “Nós já tivemos diferentes governos e regimes de 1930 para cá. E a linha que prevaleceu ao longo dessas oito décadas foi a de proteção do interesse nacional. E agora não há, do ponto de vista da formulação econômica, qualquer precaução em relação a essa defesa”, avalia. Uma última reação, urgente e con- tundente, deve vir, segundo Pedro Celestino, da sociedade civil, de par- lamentares, de organizações e grupos comprometidos com uma agenda de desenvolvimento e soberania nacional. 3