Jornal do Clube de Engenharia 592 (Julho de 2018) | 页面 7

JULHO DE 2018 O PAÍS A Embraer e a desnacionalização da economia Privatizada em 1994, a Embraer é hoje uma empresa de capital aberto, com as divisões de avião comercial avaliadas em 4,75 bilhões de dólares. Trata-se de uma gigante da economia mundial, a terceira maior fabricante de aviões comerciais do planeta e a terceira maior empresa exportadora do Brasil, atrás apenas da Vale e da Petrobras, segundo balanço do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Poder de decisão Entre outras questões, o movimento trouxe à tona a discussão sobre o papel do Estado na gerência de áreas estratégicas da economia, incluindo empresas privatizadas. A União permaneceu com ações na Embraer após sua venda nos anos 90; o BNDES Participações e a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, por exemplo, detêm hoje, respectivamente, 5,4% e 4,8% das ações da empresa. Além disso, restou com o governo federal uma golden share, tipo de ação prioritária que dá poder de veto em decisões importantes, como os acordos com a Boeing. Trata-se de uma estratégia para que o Estado tenha algum poder de decisão sobre O presidente e CEO da Embraer diz, no comunicado lançado no dia 4, que o acordo “criará a mais importante parceria estratégica da indústria aeroespacial, fortalecendo ambas as empresas e sua posição de liderança do mercado mundial”. Fala-se, ainda, de cerca de 150 milhões de dólares em ganhos com sinergia de custos. O final do documento, no entanto, deixa claro que essas são apenas prospecções, estando “sujeitas a riscos e incertezas” e “baseadas em suposições atuais sobre eventos futuros”. Gerson A Embraer anunciou, no dia 5 de julho, um acordo preliminar com a Boeing, gigante norte- americana, para a criação de uma joint venture que irá absorver todos os negócios e serviços de avião comercial da empresa brasileira. Segundo o comunicado, 80% da sociedade ficará sob controle da Boeing, que desembolsará 3,8 bilhões de dólares na transação. Primeiro protótipo do KC-390, avião de transporte militar utilizado pela Força Aérea Brasileira. empresas privatizadas que atuam em áreas prioritárias. Além da Embraer, existem golden shares na Eletrobras, na Vale e no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB Brasil RE). A ação prioritária na Embraer, no entanto, não existirá nas sociedades com a Boeing. Soberania e oligopólio O acordo com a empresa americana, com previsão de ser finalizado até o final de 2019, gerou intenso debate e foi apontado como estratégia para desnacionalizar a maior parte do controle operacional e gerencial da Embraer. Isso porque restarão com a empresa brasileira apenas as divisões de avião executiva, serviços e suporte. Uma segunda joint venture foi anunciada no comunicado, dessa vez para “promoção e desenvolvimento de novos mercados e aplicações para produtos e serviços de defesa, em especial o avião multimissão KC-390”. Não há detalhes sobre a participação de cada empresa nessa segunda sociedade. O que se sabe é que a cadeia de produção do KC-390, avião de transporte militar, além de outros equipamentos de defesa fabricados pela Embraer, poderia acabar nas mãos da Boeing. Em jogo está a soberania nacional, já que os aviões e os equipamentos são utilizados largamente pelas Forças Armadas, sobretudo a Aeronáutica. O acordo ainda irá fortalecer a Boeing no mercado internacional. Frente ao surgimento de concorrentes na Rússia (Sukhoi), Japão (Mitsubishi) e China (Comac), o controle das atividades da Embraer irá reforçar a hegemonia da empresa norte-americana, principalmente no mercado de aviões de pequeno e médio porte. Sua principal concorrente, a francesa Airbus, também realiza movimentos parecidos de aquisição de controle junto à canadense Bombardier. Incertezas Na Bolsa de Valores, o comunicado da Embraer fez com que suas ações caíssem, provavelmente porque os investidores consideraram que o valor anunciado de participação da Boeing, 3,8 bilhões de dólares, está abaixo do que vale a empresa brasileira. Tais declarações tornam ainda mais urgente a necessidade de o governo federal trazer para o debate público a discussão sobre a desnacionalização da Embraer. Ações recentes, no entanto, apontam que a aprovação já parece certa se depender do atual governo. Além das iniciativas de privatizações na Petrobras e na Eletrobras, no ano passado o Ministério da Fazenda consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre alterações nos direitos dados à União por meio das golden share. O tema chegou a ser colocado na pauta de discussão do Ministério no dia 4 de julho, mas foi retirado. Nos próximos meses, a empresa brasileira e a Boeing continuarão negociando, e um acordo final deverá, necessariamente, ser aprovado por órgãos regulatórios nos EUA e Brasil, pelos conselhos das duas empresas e também por seus acionistas, inclusive o governo brasileiro. Com as eleições presidenciais se aproximando, surge a oportunidade para que se discutam os riscos que o acordo comercial terá sobre a economia brasileira, sobre o emprego de milhares de trabalhadores e, por fim, sobre os rumos de uma das maiores e mais estratégicas empresas nacionais. 7