Jornal do Clube de Engenharia 590 (Maio de 2018) | Page 7
MAIO DE 2018
SOBERANIA
Felipe
Coutinho
O Pré-Sal é um recurso muito grande, mas as necessidades não
atendidas da nossa população são ainda maiores. Imaginar o
desenvolvimento do Brasil por meio da exportação de petróleo nada
mais é que ilusão. Não há petróleo, nem do pré-sal, que faça um país
continental, de 207 milhões de habitantes, se desenvolver. O pré-sal não
é passaporte, bilhete premiado. Para ser aproveitado, o petróleo precisa
de soberania: ter planejamento, engenharia, política pública, Itamaraty e
Forças Armadas. Tem inclusive que não medir tudo que temos. Temos
que parar de ser ingênuos. Quanto mais descobrimos do Pré-sal, mais
vulneráveis estamos porque nossas forças armadas não têm condições
de nos proteger. Temos que cuidar de proteger essa riqueza, não atrair o
interesse internacional, fazer eles reativarem a 4ª frota, como aconteceu.
A construção da ignorância se exacerbou violentamente a partir das
revelações da Lava-Jato em 2014. Construiu-se o mito da Petrobras
quebrada, mesmo com reservas sempre acima de 20 bilhões de
barris de petróleo, com geração de caixa na ordem de 25 bilhões de
dólares por ano, com índice de liquidez corrente — que sinaliza a
capacidade de pagamento de compromissos, principalmente no curto
prazo — nunca próximo de precisar de socorro de caixa da União.
Quem sempre deu socorro ao caixa da União foi a Petrobras. Sua
situação financeira, mesmo no auge da crise, era muito melhor que das
multinacionais, em termos de reservas e de liquidez corrente.
Os desdobramentos, com o rebaixamento da nota atribuída pelas
agências de classificação de risco “independentes” reforçam que é
preciso repensar a relação do Brasil com o mundo no sentido de
entender a centralidade da soberania — da independência — do
país como estratégia de sobrevivência frente aos diferentes interesses
sobre nossas riquezas. Estamos entrando no primeiro ciclo colonial
do século 21 com a exportação de petróleo cru por multinacionais.
Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo dessa forma. Não
há paralelos no mundo.
Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da
Petrobras (AEPET)
Ildeu
Moreira
O desmonte da ciência no Brasil, acelerado desde 2016 é ainda
mais ameaçador por conta da Emenda Constitucional nº 95, que
congela os gastos públicos por 20 anos, quebrou um processo de
fortalecimento do setor que, apesar de dificuldades históricas, vinha
avançando nos últimos anos. Os dados reforçam o desenvolvimento
da ciência brasileira, como o crescimento de 94% no número de
doutores, 59% no número de mestres e 193% no número de mestres
profissionais entre 2013 e 2016 em comparação a 2010 e 2012.
Segundo a última avaliação da Capes, de 2017, já temos cursos de
pós-graduação em todos os estados brasileiros, e o Brasil ocupa o
13º lugar entre os países de maior produção científica, resultado
de investimentos continuados nas universidades e institutos de
pesquisas, em particular do CNPq, da Capes e da Finep, e das
fundações estaduais de amparo à pesquisa. No entanto, o impacto
disso no sistema produtivo é muito pequeno, porque nossa
capacidade de inovação é muito limitada. E o impacto disso na
melhoria da qualidade de vida das pessoas é muito menor do que
poderia ser, apesar do esforço das universidades e da pós-graduação.
Dois movimentos afetaram profundamente o setor. Um deles foi
o “apagamento” da figura do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovações, criado nos anos 1980 para impulsionar a área, que foi
fundido ao Ministério das Comunicações em 2016. Além disso,
a queda brutal no investimento do então MCTI a partir de 2013:
de 8,4 bilhões de reais naquele ano para 3 bilhões em 2017. Como
ter soberania, sem Ciência, sem Tecnologia e sem Engenharia?
Sem capacidade de gerir o próprio país? Temos de conjugar um
movimento de resistência, o discurso de contraposição às políticas
gerais internacionais, mas não podemos perder de vista que a
batalha a gente ganha no dia a dia, inclusive para que esse sistema
de Ciência e Tecnologia possa ajudar no projeto de país que temos
de construir.
Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC)
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