Jornal do Clube de Engenharia 586 (Janeiro de 2018) | Page 3

JANEIRO DE 2018 DEBATE Fim da neutralidade de rede pode levar à internet de pobres e ricos A quebra da neutralidade de rede nos Estados Unidos já levanta grande debate sobre os impactos para os demais países. menos importantes, estão Google, Microsoft, Netflix, Amazon, provedores de conteúdo, que não querem ver seus dados controlados, e eventualmente preteridos, pelos provedores de redes”. Na permanente busca ao acesso à Internet usuários encontram abrigo no hall das estações do metrô de São Paulo. Entidades que lutam pela igualdade no acesso à Internet – e seus inúmeros conteúdos – temem que o movimento se repita e os usuários se tornem reféns dos privilégios concedidos por operadoras a parceiros. Nos EUA a neutralidade de rede foi revogada em 14 de dezembro, em votação interna da Comissão Federal de Comunicações (FCC). Em termos gerais, a neutralidade de rede impede que as empresas provedoras de acesso à Internet tratem de forma discriminatória as informações que circulam. Sem a neutralidade de rede, determinados endereços da Internet podem ter conexão mais lenta ou mais rápida segundo os critérios da operadora. A norma que vigorava desde 2015 determinava que não se poderia bloquear acesso a sites ou aplicativos, degradar a qualidade da conexão de conteúdos ou serviços e fornecer qualquer tipo de privilégio mediante acordo econômico. Hoje as operadoras podem vender pacotes diferentes de acesso a conteúdos específicos. Operadoras defendem mudanças No Brasil, há quem enxergue a ação americana como um risco, dando margem a ações semelhantes. Não se trata de um caráter técnico, uma vez que as operadoras, responsáveis pelo serviço no Brasil, fazem a entrega de dados ao usuário final obrigatoriamente respeitando a neutralidade de rede. Mas as empresas de telecomunicações já começam a se posicionar a favor da flexibilização da norma no país. Em entrevista ao portal G1, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, afirmou que determinados serviços devem ser tratados de forma diferente. Por exemplo, um serviço de streaming deve ser mais rápido do que a entrega de um e-mail. “A rede pode fazer a sua administração sem discriminar. Ela separa aquilo que é mais importante para trafegar, porque há uma exigência natural dos serviços. Os de streaming precisam ter característica de entrega diferente dos de e-mail, coisa que o Marco Civil da Internet (MCI) não permite”, afirmou. João Moura, presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), também declarou que diferentes serviços exigem diferentes condições de tráfego e ainda que a operadora precisa de flexibilidade para cobrar de forma distinta. No entanto, não se trata de priorizar os serviços independentemente de seus donos. O risco é justamente que as operadoras privilegiem determinados conteúdos e serviços segundo seus acordos comerciais. Gigantes querem a quebra da neutralidade Para Marcio Patusco, diretor técnico do Clube de Engenharia, os argumentos de fomentar a inovação em benefício dos consumidores também não procedem: “Se por um lado gigantes das telecomunicações, como AT&T, Comcast e Verizon, de onde Ajit Pai [presidente do FCC] é oriundo, querem a quebra da neutralidade para poderem vender mais livremente seus pacotes de Internet, do outro, não A neutralidade de rede no Brasil é garantida pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965), e só poderia ser modificada com a revogação do Decreto 8.771, que regulamenta a legislação, ou algum dos dispositivos do decreto. Para Patusco, o Marco Civil, historicamente, não é satisfatório aos setores empresariais: “As operadoras de telecomunicações nunca se contentaram com os termos do MCI e com certeza voltarão à carga na tentativa de aumentar a abrangência das exceções”. O risco ainda se agrava no Brasil em função das desigualdades já existentes no acesso à Internet. Para Patusco, num contexto em que as tarifas são altas, a competição mal se estabeleceu e as diferenças sociais e regionais de atendimento de Internet se acentuam, com a quebra da neutralidade de rede podemos vir a ter “a Internet dos ricos e a Internet dos pobres”. O diretor ainda reafirmou que a sociedade precisa se manter atenta às manobras para enfraquecer o Marco Civil. O governo nega os riscos. O Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações negou, em declaração à Agência Brasil, a intenção de realizar mudanças nas normas sobre neutralidade de rede no país, justificando que o Marco Civil é uma conquista da sociedade brasileira. 3