Jornal do Clube de Engenharia 585 (Dezembro de 2017) | Page 3

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DEZEMBRO DE 2017
DESENVOLVIMENTO

A medicina do estímulo

por José Eduardo Castello Branco
Engenheiro civil e doutor em transportes ( Coppe / UFRJ ). Foi diretor-presidente da Valec . ( 2011 / 2012 ).
Sabe-se que a boa qualidade da infraestrutura é absolutamente indispensável ao desenvolvimento econômico de qualquer país . Lamentavelmente , o Brasil , num universo de 144 nações , ocupa , segundo o World Economic Forum , a posição 76 no ranking de qualidade geral da infraestrutura , o que geraria perdas anuais entre US $ 40 e 60 bilhões 1 .
Em momentos de crise econômica , investimentos em infraestrutura são prescritos como remédio no contexto daquilo que se denomina de medicina de estímulo . De fato , estudo do Fundo Monetário Internacional ( FMI ) 2 demonstra , tendo o Produto Interno Bruto ( PIB ) com referência , que o gasto de 1 % em infraestrutura , num dado ano , possibilita um crescimento de 1,5 % a 2,5 % a . a . no quadriênio subsequente , dependendo do grau de qualidade desse setor .
Pretende-se aqui discutir a questão do financiamento da infraestrutura no Brasil , lastrado nas reservas internacionais . Esse debate não é obviamente novo , tendo em vista que as reservas são normalmente vistas como ativos externos , destinados primordialmente a fazer frente às necessidades da balança de pagamentos e a intervenções no mercado de câmbio para estabilização de taxas de conversão da moeda . Essa visão , contudo , sofre críticas quando o volume das reservas atinge patamares muito elevados , em face do seu elevado custo de carregamento , calculado , grosso modo , pela enorme diferença existente entre a taxa de juros paga pelo
Diogo Moreira / A2 Fotografia / Fotos Públicas
Entre 144 nações , o Brasil ocupa a posição 76 no ranking de qualidade geral da infraestrutura .
Banco Central ( BC ) na captação dos recursos utilizados na compra dessas reservas , frente à taxa de juros obtida pela aplicação dessas reservas em títulos soberanos no exterior .
Nessa trilha , recente coletânea de textos sobre a crise fiscal brasileira 3 enseja uma pluralidade de opiniões , que vão desde a de C . Jaloretto , que afirma “ não ser possível a utilização de reservas internacionais para financiar gastos primários do governo ou para prover crédito interno e estimular o crescimento ” ( p . 77 ), à fina ironia de S . Chachamovitz , no sentido de que “ as reservas passaram a ser um seguro dispendioso , com o segurado revelando a preferência de nunca usá-lo ; comportando-se o BC como o proprietário de um carro caro que contrata o seguro com a maior cobertura possível no mercado , mas que prefere andar de táxi ” ( p . 347 ).
O fato , porém , é que as reservas brasileiras , da ordem de US $ 370 bilhões , situam-se , segundo o World Factbook ( CIA ), entre as dez maiores do mundo , inferiores às da China , Japão , Suíça e Arábia Saudita , equivalentes , porém , às da Rússia , Coreia do Sul , Hong Kong e Índia , e muito superiores às dos EUA e às de países europeus , como
Alemanha , França , Grã-Bretanha e Itália .
Em 2013 , o FMI 4 ajustou uma métrica para avaliar o nível ótimo das reservas de um país ( Assessing Reserve Adequacy – ARA ), que , no caso dos emergentes ( EM ), considera : ( i ) renda das exportações ; ( ii ) “ broad money ” ( agregado monetário largo ); ( iii ) dívida de curto prazo ; e ( iv ) outras obrigações . Segundo esse organismo , o nível ótimo das reservas brasileiras ( ARA-EM ) seria de 10,5 % do PIB . Como as reservas brasileiras montam a 18,2 % do PIB , há um claro indicativo de existência de um sobrevalor , em linha com o observado por F . Fernandes 5 , que assinala que “ mesmo com todo o conservadorismo , por conta do alto custo de carregamento das reservas internacionais brasileiras , seu nível ótimo poderia ser estimado entre US $ 110 e 170 bilhões ”.
Assim , uma parcela do sobrevalor das reservas , a definir , poderia ser judiciosamente alocada ao financiamento de projetos de infraestrutura no país ( e não a fundo perdido como sugerem alguns ), direcionada nomeadamente à :
• existência de projetos executivos ( e não básicos ), uma vez que o primarismo na sua elaboração é , via de regra , responsável por “ estouros de orçamento ”, paralisações de obras e consequente ineficiência alocativa ;
• contrapartidas locais em financiamentos de bancos de fomento como o BIRD e BID , assegurando , inter allia , um “ selo de qualidade ” às inversões ( normalmente existente em projetos co-financiados por esses organismos ), além de maior adimplemento contratual dos mutuários , cuja falha nos respectivos aportes é frequente impedância na implementação .
Vale acrescentar que economistas do Banco de Desenvolvimento Africano 6 , considerado o alto custo de carregamento das reservas naquele continente , vislumbram a possibilidade dessas de serem divididas em dois portfólios : um de liquidez e outro de investimentos . Sugerem , ainda , que , contrariamente às práticas existentes , a gestão das reservas contemple diversificação de objetivos e de alternativas de investimento .
Os 15 milhões de desempregados do Brasil têm pressa nas suas recolocações .
1
Frischtak , C . e A . Gimenes , 2008 . Infraestrutura e competitividade no Brasil . Disponível em www . interb . com . br .
2
Abiad et alli , 2014 . Is it time for an infrastructure push ? The macroeconomic effects of public investment . World Economic Outlook , IMF , Washington , pp . 75 – 114 .
3
Bacha , E . ( org .), 2016 . A crise fiscal e monetária brasileira . Ed . Civilização Brasileira , Rio de Janeiro , RJ , 686p .
4
FMI , 2014 . Assessing reserve adequacy — specific proposals . Staff Report , IMF , Washington , D . C ., 53p .
5
Em Bacha ( 2016 ), op . cit ., p . 551 .
6
Mezui , C . A . M . e U . Duru , 2013 . Holding excess foreign reserves versus infrastructure finance : what should Africa do ? Working Paper 178 , ADBG , 28p .

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