Jornal do Clube de Engenharia 580 (Julho de 2017) | Seite 6
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INDÚSTRIA
Brasil na contramão do mundo
Destaque mundial na superação da fome e da crise e na implementação de incentivos à indústria nacional, o país desaba em
praticamente todos os setores enquanto o governo escolhe um modelo financeiro oposto ao que já fez do Brasil um dos países mais
industrializados do mundo.
A história recente do Brasil é de um
país que foi do pleno emprego, dos
grandes investimentos públicos em
infraestrutura e do fortalecimento
da indústria nacional — com
destaque aos setores de óleo e gás e
construção civil —, para um cenário
de avançado e acelerado desmonte
de seu parque industrial. Não é
a primeira vez que acontece. Na
verdade, a história nem tão recente
do país aponta para um ciclo de
embate entre forças antagônicas que
impactam a economia do país, tendo
a indústria nacional ora como alvo,
ora como protagonista, e o papel do
Estado como pivô.
A indústria nacional era a
responsável, na década de 1970,
por colocar o Brasil no caminho
do desenvolvimento. Naquele
momento, o país tinha o mesmo
perfil industrial dos países
desenvolvidos, com atuação em
praticamente todos os grandes
blocos da indústria moderna, com
pioneirismo, inclusive, em setores
de tecnologia de ponta, como a
informática, setor chave para a
revolução que viria anos mais tarde.
Os rumos que vinham sendo
traçados de 1950 a 1980 mudaram
no início da década de 1990, com a
aplicação de uma lógica de governo
que fragilizou um dos pilares
do desenvolvimento até aquele
momento: uma atuação forte e
constante de grandes empresas
estatais, bancos públicos e do
Ministério do Desenvolvimento no
comando da economia. Ocuparam
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O papel do Estado
A indústria de alta tecnologia foi destaque no Brasil quando, com recursos públicos e investimentos
estatais, foi criado um parque científico e tecnológico que superava os dos países em desenvolvimento.
esse espaço de liderança o Banco
Central, o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial
e os bancos privados. Como
resultado, a indústria nacional
perdeu força e mundialmente fi cou
para trás.
Hoje, uma nova página de atraso
se escreve no setor. Prioridade
de Estado nos Estados Unidos
e Alemanha, a indústria passa
por uma revolução nascida da
combinação das tecnologias digital,
da informação e de produção. A
indústria 4.0, também conhecida
como “manufatura avançada”
é acompanhada de perto pelos
chefes de Estado. No Brasil, as
ações do Ministério da Indútria,
Comércio Exterior e Serviços são
pontuais e raras. A questão não é
tecnológica, uma vez que o Brasil
domina as tecnologias necessárias,
mas não há empresas locais aptas.
Entre aquelas que avançam na
questão estão a Ambev, que adotou
um sistema de automoção para
melhorar o controle do processo de
resfriamento da cerveja e reduzir
variações de temperatura, e a
Volkswagen Brasil, cujos projetos
nascem a partir de modelos digitais,
após simulação em ambiente 3D. A
Volkswagen Brasil vem investindo
em treinamento e, segundo dados
da empresa, cinco iniciativas nas
fábricas brasileiras relacionadas à
indústria 4.0 já garantiram uma
economia de 93 milhões de reais
em dois anos.
Para Volkswagen e Ambev, além
de Embraer e Jeep, que também
avançam nessa área no Brasil,
a dificuldade está em vencer a
cultura empresarial que ainda
rejeita os sistemas digitais e obter
financiamento a custo abaixo da
lucratividade das empresas. Sem
uma política de Estado, nada
disso é possível. E, mais uma vez,
atrasamos.
Segundo Carlos Aguiar de
Medeiros, professor associado
do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pesquisador do Conselho
Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico,
em entrevista à revista Carta
Capital, a força que sustentava
a política industrial e o Estado
desenvolvimentista estava nas
empresas estatais e no controle
financeiro. “O comando da estrutura
de acumulação era formado pelas
estatais nos setores elétrico, de
petróleo, comunicações e aço, pelos
bancos públicos e o Ministério do
Planejamento. Outro aspecto foi o
controle do Estado sobre a indústria
de extração, em especial na área de
energia, nos investimentos e para o
financiamento do governo”, destaca
o professor.
No final dos anos 1980, o modelo
entrou em crise e, em 1990, o
governo optou por mudar o foco
econômico da acumulação para a
estabilidade macroeconômica. A
desnacionalização, a liberalização
e as privatizações entram em
cena. “Ficaram cada vez mais
permeáveis as fronteiras entre as
estratégias de valorização do capital
produtivo e financeiro, e isso levou
a uma fusão dos interesses entre
essas órbitas (...) desfazendo ou
reduzindo o comprometimento
com o desenvolvimento apoiado
na proteção do mercado interno e
sob a liderança do Estado por meio