Jornal do Clube de Engenharia 578 (Maio de 2017)) | Page 5

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MAIO DE 2017
INDÚSTRIA

Desnacionalização acirra a crise econômica no País

As opiniões acerca da redução dos índices de conteúdo nacional nas contratações de grandes projetos estruturantes , como são os investimentos programados pela Petrobras para exploração na camada Pré-Sal , contrapõem visões antagônicas de país : de um lado , o governo quer custos e prazos menores de entrega para os projetos ; mas , de outro , especialistas alertam para as perdas que essa diretriz trará a longo prazo para toda a economia .
Na opinião do engenheiro naval Alan Paes Leme Arthou , uma indústria local forte e avançada tecnologicamente é o principal caminho para a retomada do desenvolvimento nacional . “ À primeira vista , o custo de contratação no exterior pode ser até mais baixo , mas o recurso gasto lá fora vai embora ”, alerta . “ Quando se produz no país , a indústria movimenta uma rede de fornecedores , e , cada vez que o dinheiro muda de mão , o governo arrecada , em média , 30 %. Se este dinheiro circular quatro vezes , já pagou para a União aquilo que foi despendido .”
A desnacionalização da indústria , adverte o engenheiro naval , poderá acirrar a crise econômica no país , que , em sua opinião , já resulta em grande medida da própria queda nos investimentos da Petrobras . A cada 1 % de retração no setor industrial , Paes Leme avalia que há uma retração , em cadeia , de 3 % a 4 % no setor de serviços .
Também contrário à desnacionalização do parque produtivo do país , o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira encabeçou o lançamento do
Manifesto Projeto Brasil Nação , atualmente com mais de 10 mil signatários , que defende a “ retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade ”. Afirma , ainda , que “ buscando reduzir o Estado a qualquer custo , o governo corta gastos e investimentos públicos , esvazia o BNDES , esquarteja a do campo Libra obteve um valor 40 % acima da expectativa , como decorrência da exigência . Também afirmou que não seria factível produzir com o conteúdo local proposto originalmente dentro dos prazos necessários . “ Meu principal driver é prazo de entrega ”, argumentou . “ Seriam quatro ou cinco anos para produzir o primeiro óleo ; metade desse tempo , com a construção . Meu prazo de 36 meses é não prorrogável , e o
Para Alan Paes Leme Arthou é necessário desenvolver tecnologia , por exemplo , para a engenharia naval . Na foto , terminal de contêineres de Paranaguá , no Paraná .
Petrobras , desnacionaliza serviços públicos , oferece grandes obras públicas apenas a empresas estrangeiras , abandona a política de conteúdo nacional , enfraquece a indústria e os programas de defesa do país , e liberaliza a venda de terras a estrangeiros ”.
Em apresentação recente realizada no Clube de Engenharia , o engenheiro Fernando Borges , gerente-executivo do campo de Libra na Petrobras , atribuiu a mudança nas políticas de contratação e os pedidos de waiver ( desoneração dos compromissos com os índices de conteúdo nacional ) a custos e prazos . Segundo ele , a única proposta válida para a plataforma flutuante ( FPSO ) objetivo é fazer no país o que não o compromete .” O argumento é rebatido tanto por Paes Leme , quanto pela Ecovix Construções Oceânicas , que enviou carta à Agência Nacional de Petróleo ( ANP ) contestando as bases do pedido de desoneração . No que se refere aos preços , o engenheiro naval alerta que , além das perdas em termos de arrecadação decorrentes da opção pela importação de equipamentos , há um aumento de riscos no controle de qualidade e uma redução na customização dos componentes .
Nas aquisições feitas na indústria local , ele observa que os requisitos dos itens são em geral mais detalhados e aderentes às
APPA / Fotos Públicas . especificações do cliente , podendo ser alterados de forma mais ágil , devido à proximidade entre comprador e fornecedor . Empresas estrangeiras , explica , vão tentar ao máximo vender aquilo que já têm pronto , reduzindo o custo , mas com menores garantias . “ O brasileiro sabe que há uma série de indefinições no projeto . Faz a proposta sabendo que muitos aspectos serão mudados , e que ele precisa prever garantias para isso . O estrangeiro vende o que já fez .”
Paes Leme ressalta que uma justiça lenta no julgamento de multas e indenizações em caso de não cumprimento dos contratos , como acontece no Brasil , também aumenta o risco dos negócios . “ Se o fornecedor não cumpre o prazo , ou o preço inicial , o contratante precisa de cinco anos ou mais para resolver a questão na justiça . E uma justiça falha ou lenta incentiva o aparecimento de aventureiros .”
Embora seja a oitava economia do mundo , ele lembra que o Brasil está no 62 º lugar em desenvolvimento humano ( IDH ) e em 72 º na renda per capita . Entre outras razões , porque o país tem sido hospedeiro de indústrias estrangeiras , com baixa agregação de tecnologia local . Para produzir mais riqueza e igualdade social , é preciso , no seu entendimento , desenvolver tecnologia e organizar grandes clusters industriais . Por exemplo , para a engenharia naval no Rio de Janeiro e em Salvador ( BA ), áreas com características geográficas e históricas aptas a reunir estaleiros e uma rede ampla de fornecedores . “ Só novas tecnologias são capazes de fazer com que o percentual de riqueza produzida seja maior .”

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