COMENTÁRIOS DE MÁRCIO PASCHOAL
horário combinado.
Chegando ao hotel, me
apresentei.
- Sou o Paschoal. Dona
Marinês está me aguar-
dando.
A moça, então, ligou
para o apartamento da
cantora. A seguir, me
passou o aparelho. E eu
ouvi aquela voz de tro-
vão:
- Seu f-d-p..., suba logo
que eu tou te esperan-
do, bichinho!!!
E assim fiz. De novo a recepcionis-
ta atendeu e me disse que Dona
Marinês não estava, mas tinha dei-
xado recado para que eu apareces-
se por lá, sem falta, depois das
21hs.
De início, nada notei de estranho.
E me arrumei para en-contrá-la no
Alguma coisa deveria
estar errada. Sem
reação, espantado com a intimida-
de esquisita, me encaminhei teme-
roso ao apartamento indicado pela
recepcionista.
No elevador, ia pensando naquela
recepção entusiasta e meio fora de
tom. Sua voz não parecia de raiva.
Muito pelo contrário. O palavrão
soara até amistoso. E o bichinho,
com direito a sotaque, no final, dis-
sipara quaisquer dúvidas. O f-d-p
fora de tom e candidato a bichinho,
no caso eu, apertou, então, a cam-
painha.
De robe, cabelos em desalinho e
com um copo na mão, Marinês abre
a porta e, ao me ver, mostra cara
de poucos amigos.
Procuro manter a naturalidade.
- Olá, Marinês, sou o Paschoal...(era
melhor do que dizer que era o tal f-
d-p, é claro).
Ela fez cara de quem não estivesse
compreendendo bulhufas. Positiva-
mente, eu não era o tal bichinho.
- Cadê o Hermeto? - ela perguntou.
De imediato caiu-me a ficha. O Pas-
choal que ela queria era o Hermeto.
Não pude deixar de rir com o enga-
no, embora Marinês demonstrasse
não estar gostando nem um pouco
da brincadeira. Antes que ela pu-
desse fechar a porta, tentei expli-
car tratar-se de biografia do João do
Vale, e que o depoimento dela se-
ria valioso para o trabalho, e coisa
e tal.
Ainda contrariada, e deixando cla-
ro seu total e óbvio desapontamen-
to, foi meio sem vontade, ali no cor-
redor mesmo, me respondendo às
perguntas.
Não abusei de sua paciência e pro-
curei ser o mais objetivo possível.
Para minha surpresa, a cada res-
posta ela ia se soltando e contan-
do passagens divertidas da carrei-
ra de ambos.
Tudo gravado, rapidamente me des-
pedi a tempo de ainda ouvir o se-
guinte recado para a recepcionista
de que "se mais alguém apareces-
se procurando por ela com nome
de Paschoal, que ela conferisse se
era o Hermeto".
(*) Marcio Paschoal é escritor e au-
tor da biografia "Pisa na fulô mas não
maltrata o carcará - vida e obra de
João do Vale" (Ed. Lumiar)