Inominável Nº 2 | Page 57

A Tina Rabina era a miúda mais insuportável da turma da Ana. Desde o infantário que lhe atazanava a paciência. Eram pastilhas elásticas nos cabelos, lagartixas na mochila, pioneses na cadeira, bombinhas de mau cheiro nos bolsos do casaco… As maldades da Tina Rabina não conheciam limites. Ela não era apenas chata ou travessa. Ela era uma sugadora de alegria. Era como se trouxesse sempre consigo nuvens negras para tapar os dias de sol, e transformasse qualquer arco-íris num borrão triste e indefinido, apenas porque lhe apetecia.

A próxima tropelia que a Tina Rabina estava a planear era inimaginavelmente cruel, pois o que ela mais ambicionava, nos últimos tempos, era ter uma capa azul mirtilo, igualzinha à da Ana. Igualzinha, não. Ela queria a da Ana! Ela queria-a, mais que tudo. Por isso, num dia em que a Ana a pendurou no bengaleiro para ir à casa de banho, a Tina Rabina roubou-a sem ninguém ver. Abraçou-se a ela, sentindo o maravilhoso odor a bosque, a chuva e frutos vermelhos e imaginou o quanto a Ana choraria quando visse que ela tinha desaparecido. Mas, estranhamente, em vez de sentir orgulho na sua maldade – como era costume – ela começou a sentir-se culpada. Quanto mais se abraçava à capa em busca de conforto, pior se sentia.

- Mas o que é isto?! - exclamou, irritada, sem perceber aqueles sentimentos que nunca a tinham visitado antes.

Como não queria que ninguém a visse com ela, escondeu-a no cacifo, fechada a sete chaves, pensando em como iria sair da escola com o capuchinho azul mirtilo.

A Ana chorou. Chorou muito. Em casa, nem o pai, a mãe ou o irmão a conseguiam consolar. Ela nunca se sentira tão triste em toda a sua vida e naquela noite, pela primeira vez em muito tempo, não viajou para terras distantes nos seus sonhos, acompanhada do maravilhoso aroma a florestas do norte.

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Nº 2 - Fevereiro, 2016