Inominável Nº 1 | Page 20

Minhas senhoras,

Escrevo-vos numa tentativa última de ajuda. Estou desesperado e sei que têm a sabedoria possível para me ajudar a ver a luz.

Então é assim: sou o Serginho. Aquele vizinho da Isabel e do Afonso. O dos halteres. Vocês sabem. Esse mesmo. Conheci recentemente uma menina no Facebook. É prima do meu amigo Zé Armando e estava nas sugestões de amigos com um decote em bico, daqueles quase até ao umbigo. Pedi-lhe amizade, a pensar na festa, e ela aceitou.

No início começámos a falar de dias de sol e chás, lá por aquela coisa do chat. Eu mandava bonequinhos e tudo, daqueles que aparecem em baixo, com corações e sorrisinhos. Uma valente trampa mas sei que não se pode ir com muita sede à batata-doce pois pode murchar. Da única vez que lhe falei em beijos foi para dizer que agora no Natal acho uma badalhoquice andarem todos a beijar o pé do Menino Jesus, que a ser que fosse na testa e ela logo “olha que sou de respeito, não falo dessas coisas”.

Depois de uns dias de conversa marcámos um encontro no centro comercial. A rapariga apareceu com uma amiga, mais novita, muita feia, que ficou a um canto a observar-nos e logo ali achei estranho, que eu cá apesar de forte não sou nenhum glutão e não gosto de ajuntamentos.

Sentámo-nos numa mesa, os dois um bocado calados, eu a pensar como dizer-lhe o que queria sem mencionar badalhoquices e ela, passado um bocado, começou a falar do Natal. Pensei que fosse por causa de um Pai Natal esquelético que estava sentado a um canto (isto nunca se sabe os gostos dos borrachinhos) mas não. Ela queria era falar de comida:

Que fazia uma bela de uma rabanada;

Que gostava muito do bilharacos e que, quando estava inspirada, até dava no bolo-rei;

Que embora fosse adepta do bacalhau com todos preferia o peru encharcado; e que

Fazia uma ótima aletria mas nada, mesmo nada que se comparasse ao coscorão da mãe.

Como aquilo não fazia sentido nenhum – até porque se eu quisesse falar de receitas tinha saído com a Helena Gorda, que faz os melhores pastéis do bairro – vim-me embora quase sem me despedir, muito desiludido e com vontade de nunca mais levar em atenção as sugestões do facebook, que percebe tanto de enrolanços como de couves tronchudas.

Qual não é o meu espanto quando dias depois recebo uma mensagem da babe a dizer que usara metáforas e que ficara muito triste porque eu nunca mais lhe perguntei como iam as laranjas.

É isto que eu não entendo, minhas senhoras, e preciso da vossa ajuda: o que raio são metáforas?

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