Inominável Inominável #16 | Page 44

44

Inominável

Embora Ponta Delgada seja o centro de quase tudo na ilha, os festivais proliferam por todo o lado com cartazes ambiciosos, como é o caso da Ribeira Grande, que apostou em nomes internacionais no festival Monte Verde mas onde já não me atrevi a ir porque a afluência enorme era incompatível com a minha condição de rotunda humana com bexiga do tamanho de uma ervilha. Mas amigos que lá foram adoraram, o que me deixou o “bichinho” para o próximo ano... Ribeira Grande, para além de ser mais uma cidade da ilha, surpreendeu-me por uma característica que eu não imaginava por cá o que prova que, embora estejamos convencidos de que não temos ideias pré-concebidas, não é bem assim! Na Ribeira Grande existe uma grande comunidade gay, e não é nada invulgar vermos homens vestidos de mulher, e com mais empenho do que muitas! Certamente que nem todos são travestis, muitos estarão em processo de mudança de sexo, e outros tantos são simplesmente assumidos na sua tendência sexual mas confortáveis no seu género e na sua roupa masculina. Em Inglaterra era normalíssimo existir mais do que uma comunidade assim, mas não o esperava cá, talvez por ser uma ilha e as pessoas estarem mais expostas à crítica, natural num meio pequeno. Mas ainda bem que assim não é, e que as pessoas sentem a liberdade de viverem a sua vida e serem verdadeiras consigo mesmas!

Existe até mesmo uma ilha que é conhecida pela sua particularidade: São Jorge, a “ilha dos hippies”! Faz-me imaginar uma ilha com pessoas ao estilo rastafari, vivendo em comunas e envergando calças coloridas de linho, enquanto crianças correm descalças à sua volta, a música de Bob Marley no ar...Claro que não será nada disto, existirá talvez uma maior casualidade na maneira de estar das pessoas em geral, mas a grande magia das coisas reside em imaginá-las! E algumas inspiram-nos na vida real, como por exemplo o simples facto de existir um parque de merendas mesmo ao lado da minha casa e do caminho que desce até ao farol e onde está agora, durante o Verão, uma roulote onde se pode beber um café, comer uma sandes ou um bolo, beber uma cerveja ou comer um gelado. A este parque vem parar todo o tipo de pessoas de diferentes nacionalidades - a muitas das quais servimos de centro de informação turístico - com maneiras de estar e de reagir ao ambiente à volta bastante distintas. Há poucos dias estava um grupo que bem podia ter vindo da minha ilha imaginária, rastafaris a praticarem números circenses, rodeados de verde e azul, oferecendo-nos um espectáculo gratuito enquanto bebíamos o nosso café.

Mas nem tudo no Paraíso é uma maravilha, e vivi uma experiência que me entristeceu bastante. Existe uma grande taxa de depressão e também de suicídios na ilha, e desde que existe a via rápida que liga a ilha quase de uma ponta à outra muitas pessoas desesperadas têm optado por parar o carro junto a uma das muitas pontes aqui do Nordeste, e saltar para aquilo que consideram ser a libertação do que as atormenta. E foi assim, num fim de dia em que vínhamos da Ribeira Grande, que nos deparámos com este tipo de situação: o carro estava parado com os quatro piscas ligados, e um jovem aparentemente pouco mais velho que o meu filho estava inclinado na barreira de segurança, com um sapato na mão e com os ombros e a cabeça descaídos como se carregasse neles todas as dores do mundo. Posso afirmar que senti o meu coração partir-se perante aquela imagem desoladora, tamanha tristeza a contrastar com a beleza da natureza...! Parámos o carro mais à frente e