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Inominável

Uma das coisas que imediatamente me saltou à vista foi a utilização inconsistente de fontes (vulgo, o tipo de letra). Contei umas quatro diferentes ao longo do jogo, o que estraga um bocado a percepção inicial do profissionalismo aplicado no desenvolvimento. Adicionalmente, uma das fontes tinha muito estilo, mas era demasiadamente difícil de ler. Vários menus e ecrãs estavam incompletos em termos de interacções e os elementos de interface eram igualmente inconsistentes em termos de cor e outras características visuais.

Por exemplo, o videojogo tenta agarrar-se a uma filosofia de gráficos pixelizados (aos quadradinhos) para dar a sensação do que se poderia chamar de "vintage". De facto, alguns elementos de jogo usam esse estilo, mas outros não, e outros ainda vão na direcção estética oposta, e estes contrastes chamam demasiado a atenção.

Contudo, em comparação com o que vou revelar a seguir, tudo isto era quase perdoável. O videojogo oferece duas linguagens: inglês (obviamente) e português. "Então", perguntai-vos certamente, "mas se o jogo é tuga então deveria ter uma versão em português, não?". Sim e não. Muitos leitores da revista concordarão certamente que temos uma certa responsabilidade para com tudo o que escrevemos e muitos de nós fazemos o possível para escrever orgulhosamente bem. Se se tomar a decisão de se construir um produto com a língua portuguesa, temos de ter estudado devidamente as nossas capacidades de o fazer adequadamente. Quero com isto dizer que os desenvolvedores utilizaram um tipo de letra que não permite a inclusão de acentos portugueses, o que a mim faria soar alertas vermelhos por todo o lado. Consequentemente, os textos na versão portuguesa estão cheios de erros ortográficos despropositados, que eu compreendo que são de natureza técnica, mas que um utilizador normal talvez não compreendesse.

Mas mesmo isto é quase QUASE perdoável em relação ao que vou revelar a seguir. Muito simplesmente, na continuação do parágrafo anterior, existem vários termos que não foram propositadamente traduzidos e que foram mantidos na versão inglesa, por exemplo "shoot" em vez de "disparar", "shield" em vez de "escudo", entre muitas outras. Este fenómeno não ocorre só neste videojogo ou nesta empresa. Isto irritava-me profundamente quando eu trabalhava na área, em que basicamente um colega começava uma frase em português e acabava-a em inglês. Nunca poderei levar a indústria de videojogos portuguesa a sério enquanto dois desenvolvedores não conseguirem ter uma conversa técnica inteira sem usar um único termo inglês que tenha tradução fácil para português. O problema é quando o hábito se traslada para o produto final, como aconteceu neste caso.

Tendo em conta os meus últimos dois argumentos, creio que o jogo beneficiaria da exclusão do português como idioma possível, por agora.

Podeis pensar que refiro isto por razões absurdas de nacionalismo (ou anti-nacionalismo, suponho). Derrotismo português típico e tal. Não é o caso. De um ponto de vista puramente profissional e ético, acho ultrajante que se possa sequer pensar em pedir dinheiro por um produto que está inacabado, não porque lhe faltem mecânicas de jogo, mas porque lhe falta a aparência de que é efectivamente uma experiência completa. Lembram-se da folha de papel que eu tinha ao meu lado