Inominável Inominável #14 | Page 42

42

Em linha recta, a Berlenga, ilha ao largo de Peniche, dista 45 km do local onde nasci e cresci. Se é possível avistar a ilha “à vista desarmada” com boas condições climatéricas, já o farol é quase uma impossibilidade. No entanto, quando a noite aconchega a terra, o farol torna-se visível no meio do nada.

Recordo-me de o olhar, vezes sem fim, noites incontáveis e de imaginar a azáfama que seria ter de manter, todas as noites, aquela luz sempre viva e por períodos tão perfeitos e inalteráveis: três relâmpagos consecutivos num curto espaço de tempo que, de olhos fechados e nariz contra um vidro de uma janela “virada pró mar”, tentava acertar na altura exacta em que o farol brilhava. Algum treino depois sentia-me a linha avançada do farol em terra, tal era a precisão e simultaneidade que comungávamos. Outra característica que me fascinava era o facto de “ele” estar sempre presente, noite após noite, ano após ano. O farol nunca se apagou… mesmo quando tudo ficava escuro, mesmo quando tudo se apagava, o farol, brilhante, estava lá!

Não são, pois,só as características técnicas ou funcionais do farol da Berlenga que me cativam (construção cravada no ponto mais alto de um maciço granítico, com torre quadrangular de 29 metros de altura feita em alvenaria branca, com edifícios anexos e lanterna e varandim vermelhos, e a funcionar actualmente a painéis fotovoltaicos). O que me detém é o seu sentido de presença, é o efeito que a sua luz produz na escuridão, é o efeito de protecção que transmite a quem necessita de orientação.

Todos os faróis acabam por ter esta missão e certamente cada um de nós terá o “seu” farol, ou será o farol de alguém. Tal como o uso das calculadoras científicas não dispensa o utilizador de dominar a aritmética, os sistemas de comunicação super evoluídos e inteligentes não irão ocupar e desajustar a função de um farol. Se um dia tudo falhar, eles estarão lá. Vigilantes, solitários, muitas vezes esquecidos e abandonados, mas sempre soberanos, autónomos, influentes e fascinantes.

Farol de Berlenga visto de Peniche

Inominável