Inominável Inominável #12 | Page 111

111

MODA

LEITURAS

I.P.: Ouvimos muitas vezes os autores afirmarem que o processo de escrita concentra-se em 90% de trabalho e 10% de talento. Concorda?

M. F.: Tempo é a palavra principal (para mim). Tempo para contemplar, para dialogar, para sentir, para perguntar, para viajar (por dentro). E para escrever, depois. Nunca penso em esforço ou talento mas na entrega temporal a um exercício que nos obriga a entrar numa cápsula depois dum intervalo de contemplações.

I.P.: De todos os livros que já escreveu, qual deles melhor define a sua escrita?

M. F.: Mesmo o verbo escrever é dinâmico e, aparentemente, a minha escrita tem vindo a transformar-se sem que a minha cabeça (ou mãos) tenha consciência deste processo de mudança. Provavelmente, com o tempo (e todos os instantes de dúvida e experimentação e leitura), é a minha pessoa que tem vindo a metamorfosear-se, assim as borboletas, e essa renovação na forma de dentro acaba, inevitavelmente, por se diluir na forma da escrita.

I.P.: Enquanto leitora o que gosta mais de ler? E o que não gosta de ler?

M. F.: Leio tudo. Se estiver numa fila de espera, posso até ler a tabela nutricional do produto que tenho em mãos ou a receita de uma salada improvável na revista emprestada. Ler é entrar num mundo novo, é despertar ideias, levantar os pés do chão... é escapar ao tédio. Há tantos lugares inóspitos no dia a dia. A espera num consultório. A espera numa repartição de finanças. A espera para renovar o cartão de cidadão. Os livros são territórios incríveis à nossa espera. Basta abrir uma página, pode ser ao acaso, e o milagre acontece.

I.P.: Qual o livro da sua vida?

M. F.: A lista poderia ser comprida, conforme o tempo e o lugar. Tantos os livros que me têm espantado, confortado, desafiado, até incomodado. Mas, a revisar a minha narrativa de vida, diria que o primeiro (grande) livro a criar em mim esse espanto pelo poder da escrita terá sido O Memorial do Convento, de José Saramago, leitura obrigatória (e como agradeço) no ensino secundário e ainda hoje invento na cabeça a passarola do padre Bartolomeu e o poder da Blimunda que pode ver por dentro.

I.P.: Que projectos literários tem para o futuro?

M. F.: Quando acabo um livro, a sentir-me desocupada de matéria, aviso sempre que pode ter sido o último. Analiso o meu tempo futuro e planeio usar mais horas noutros projectos, como o voluntariado e a protecção animal. Mas depois começam os primeiros cenários a virem à cabeça. Tento abafar as ideias que despontam mas o processo de instalação das novas companhias (leia-se personagens) está já num estado irreversível. Tenho uma história a fazer-se dentro de mim. Veremos o que o tempo traz.

Marlene, muito obrigada por esta entrevista.

Nº 12 - Fevereiro 2018