Inominável Inominável #12 | Page 109

109

MODA

LEITURAS

I.P.: A Marlene é formada em Psicologia. Como é que isso influencia a sua escrita?

M. F.: O ofício da Psicologia obriga ao exercício de nos descentrarmos o mais possível da criatura que somos para nos focarmos no outro: há um desprendimento dos nossos posicionamentos (leia-se enviesamento) e uma aceitação incondicional da pessoa que temos diante. A vulnerabilidade acaba por ser a matéria de apreciação e produção: receber, com a maior transparência, as fragilidades do outro e ensaiar novas formas de ver a realidade que incomoda, como se tivéssemos em mãos um caleidoscópio. É provável que esta proximidade com o sofrimento e a renovação, neste processo infinito de redenção, esteja nas entrelinhas das (minhas) narrativas.

I.P.: Já recebeu diversos prémios literários. Como reagiu a este reconhecimento?

M. F.: Os prémios literários acabam por ampliar a coragem que precisamos para publicar: num mercado livreiro tão intimidante, em que um número infinito de livros chegam continuamente às livrarias, com listas dos mais vendidos e etiquetas de prémios internacionais, mais todos os livros espantosos doutros tempos, só com uma dose mínima de loucura (e coragem) para nos entregarmos a um desafio tão privado mas também comercial. É uma realidade paradoxal. Lembro-me de ser mais menina e ouvir um editor de maior grandeza dizer, numa conversa paralela, na espantosa livraria Centésima Página: neste momento, só publicamos de Mia Couto para cima. E eu, de coração (ou ingenuidade) esmagado, comecei a medir-me aos palmos. Nunca poderia chegar ao tamanho do (meu) encantador Mia Couto.

Nº 12 - Fevereiro 2018

@ipvc