Inominável Inominável #11 | Page 98

anos antes

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Inominável

Sora recusava agora encará-la, apesar das tentativas de Ignis, passado o choque inicial. Virada de costas para ela, de pé, fitava a parede da sala de estar. Falava, porque precisava de contar tudo a Ignis antes que perdesse a coragem que lhe fora arrancada pelas circunstâncias.

Ignis ouvia. Queria ficar zangada, queria acusá-la de lhe ter mentido, mas não conseguia. Sora era a sua guardiã, tinha-a criado e pouco importava se o seu sangue corria nas suas veias ou não. Fora com ela que aprendera o que é o amor de mãe, fora com ela que aprendera o conceito de família. Havia tanto ainda para assimilar, mas de uma coisa tinha a certeza: independentemente do que acontecesse, Sora seria sempre a sua mãe.

*

Já não era a primeira vez que Escarlate visitava a terra lá em baixo, mas era a primeira vez que não o fazia sozinha. Da última vez tinha demorado tanto a regressar que a tinham vindo buscar. Não queria deixar Aperos para sempre, mas queria conhecer o povo dali o melhor possível. Queria aprender a curar com as ervas medicinais que não cresciam naturalmente em Aperos. Queria levar algumas para as estufas deles e vê-las crescer. Queria fazer mais do que aquilo que tinha tempo para fazer.

Sora viera por curiosidade e para completar estudos, mas agora mostrava-se ainda mais reticente em relação ao povo. Dizia que eram estranhos, sádicos até, enquanto Escarlate insistia que eram apenas diferentes. Gostaria de lhe ter provado o quão errada estava, mas a situação que tinham presenciado uns dias antes inquietara ambas. Agora, Sora tinha desaparecido e Escarlate não sabia dela. Não havia nenhuma nota, pegadas, nada que pudesse guiá-la na direcção da outra, por isso tinha de esperar ali até ela regressar ou perder-se-iam uma da outra.

Sora chegou pouco depois da meia-noite. Guiara-se na escuridão com a ajuda de uma pequena chama que lhe brotava da mão; no outro braço, segurava o que parecia um emaranhado de trapos. Escarlate levantou-se e, mesmo sem ver na totalidade, soube logo.

- O que é que foste fazer?

Sora abanou a cabeça, não queria responder. Entrou na tenda, apagando o fogo da mão, e pousou o que carregava sobre o seu saco-cama. Deitou a mochila para o chão com cuidado. A tenda estava quente. Lentamente, desenrolou os trapos, e lá dentro um bebé dormia profundamente.

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criador de impossíveis

por Carina Pereira